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HELDER BARROS |
Esta é mais uma estória, ou uma parte muito pequenina desta, sobre um menino, um jovem adolescente aparentemente normal, mas que me interpelou de forma fulminante, pelo seu Humanismo. Tratava-se de um jovem estudante do décimo ano de um curso profissional, numa turma com trinta alunos, ou seja, trinta nacos de vida que, para alguns deles se tornara bem madrasta. O seu nome é Michel, talvez porque o seu pai está há muito tempo emigrado em França.
Com o ensino obrigatório a subir para o nível secundário, as estórias de dramas entre os adolescentes, vão-se replicar inevitavelmente. Não que eu seja contra essa obrigatoriedade, não sei é se a nossa sociedade, organização escola incluída, estão preparadas para esta situação.
Mas isso sou eu a pensar alto! Quem sou eu, haverá certamente gente muito mais preparada para abordar esta problemática que se começa a sentir nas escolas portuguesas, com repercussões em toda a sociedade, afinal está tudo ligado, o todo social é um sistema de vasos comunicantes.
Voltemos ao Michel. Este jovem perante a prematura separação dos pais e os problemas de saúde da sua Mãe, atinentes ou não, a tal situação, tem sido um exemplo de resiliência até limites impensáveis, para um adulto, quanto mais para um adolescente.
A Mãe em resultado de um esgotamento nervoso com várias repetições, de tal forma que nunca mais se equilibrou mental e fisicamente, era uma doméstica muito pálida e magra, quase parecendo um esqueleto com gestos automatizados, fruto das elevadas doses de medicamentos que ingeria, no sentido de, pelo menos se manter em pé, na sua luta diária contra o seu ímpeto de morte.
O pai, depois de manter um relacionamento breve com ela e de a ter emprenhado, abalou novamente para França, pois já lá tinha sido emigrante, abandonando à sua sorte uma mulher frágil e com uma criança no ventre, sem qualquer explicação, mas com muita violência diária nas vertentes física e psicológica. Ele bebia muito e era mulherengo, e, deste modo, foi fácil habituar-se a uma vida solitária, de muita bebida, trabalho temporário na construção civil e de relacionamentos breves.
Da mulher e do filho é que nunca mais quis saber, nem telefonemas, nem vindas a Portugal, não enviava um cêntimo que fosse tornando a vida do Michel e da Mãe, num autêntico inferno, para uma mulher que já tinha demónios que chegassem na sua cabeça e para um jovem que tinha que gerir o caos em que a sua vida se transformou. Quando um professor está imerso numa turma de trinta alunos, nem sempre consegue aperceber-se de pequenos sinais, que dizem muito. Ademais, Michel, apesar de ser extremamente magro e de uma palidez doentia, dava uma imagem de um jovem divertido e que socializava com muita facilidade. Contudo, prevalecia na sua maneira de ser, a sua prematura maturidade. Nunca exteriorizava a dor e a sua preocupação constante, o seu instinto permanente de proteção à Mãe. De resto, tratava-se de um rapaz extremamente educado, bom aluno e de uma cortesia já fora do comum, numa sociedade juvenil extremamente individualista e arrogante.
Então a vida do Michel era mais ao menos assim: praticamente não dormia, pois, a sua progenitora também não devido ao seu desequilíbrio nervoso; portanto estava sempre num estádio de vigília, fruto das variadas tentativas de suicídio da sua progenitora, que ele, quase miraculosamente sempre obviou de forma heroica. A mãe tentou-se esganar, tomar comprimidos em excesso, atirar-se da janela abaixo, mas sempre o Super-Michel conseguiu assistir a tempo de evitar qualquer tragédia.
Assim, a sua vida pessoal era uma tragédia, não dormia, mal comia, mantendo-se sempre alerta e atento para o seu mais importante desígnio: a vida da sua Mãe doente. Olhava-se para ele e não se conhecendo o seu historial de vida, ninguém diria, que este simpático aluno que tanto sofria e que tinha por baixo da sua capa de normalidade, um coração e uma atitude perante a sua vida sofrida, de Super-Homem.
Por muito mal que esteja a escola pública, esta ainda é um esteio social que funciona em consonância com a comissão de proteção de menores, permite reforços alimentares e acompanhamento psicológico a estes alunos; mas claro, perde nos rankings, para as escolas privadas. Para mim, Michel, nome ficcionado de uma história quase real, se não fosse a minha subjetividade natural, é um herói da escola pública portuguesa. Deveria pertencer a um qualquer quadro de mérito, mas isso pouco interessa à nossa sociedade, em que cada um vive virado para o seu umbigo e casos destes, não se enquadram em quadros de mérito convencionados para um putativo sucesso. Para os colegas, embora fossem quase sempre solidários, Michel era mais um, no meio de tantos e jamais vislumbrariam no sorriso tão simpático, qualquer problema familiar ou pessoal. Mas integravam bem o seu colega numa escola de que me orgulho, muito por estes casos com que me vou deparando… isto é serviço público, não são números!
Com o passar do tempo, os nossos Super-heróis da adolescência, aqueles que voam e tudo, são substituídos por seres humanos comuns na sua aparência, mas extraordinários na sua presença Humana… que grande lição de Vida que este Michel nos dá, vestida de uma simplicidade incrível! O que mais nos surpreende a todos os que querem ver, é que ele tem sempre um sorriso apaziguador para nós todos que lidamos com ele.
E, numa altura em que cada vez mais pessoas fazem tatuagens de anjos na pele, criando o belo sentido estético, é bom saber que ainda existem anjos por dentro, revelando o Belo que há nos seres humanos, como nesta epifania aqui revelada.
Qualquer semelhança desta estória com a realidade… trata-se de pura ficção, pois já não devem existir seres assim tão nobres na sua simplicidade, na sociedade atual! Por certo, este personagem foi criado por um delírio de que fui acometido…