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ABRIR ABRIL

As emoções sociais, não tendo exactamente as mesmas características das emoções básicas, têm uma origem neurofisiológica muito aproximada, ou mesmo comum. As emoções básicas, como o amor, o medo ou a repulsa, são, contudo, do ponto de vista neurofisiológico, muito mais antigas, resultando as emoções sociais, como, por exemplo, a admiração ou a compaixão, de estados evolutivos alcançados em tempos mais recentes, sendo a expressão do processo contínuo de aperfeiçoamento do ser humano.
Ainda assim, António Damásio distingue dois tipos de admiração e de compaixão, conforme a sua filiação neurofisiológica e anatómica ao aparelho músculo-esquelético ou ao meio interno e às vísceras.
A admiração que sentimos pelos feitos extraordinários de um grande militar ou de um grande atleta, é uma emoção social com uma origem neurofisiológica diferente, embora simétrica, da admiração que sentimos por um homem santo ou um grande benemérito da humanidade. O mesmo acontece com a compaixão, outra das emoções sociais mais importantes, que sentimos perante quem é exposto a sofrimento físico ou, diversamente, a sofrimento moral ou “mental”.
Existe, contudo, uma diferença importante entre estes dois tipos de emoções sociais. A admiração pelo atleta e a compaixão pela dor física, são emoções que se instalam e também desaparecem com mais rapidez do que a admiração pelo Santo e a compaixão pelo sofredor moral. Dir-se-ia que são emoções mais superficiais, reacções da pele, ligadas neurológica e anatomicamente ao aparelho músculo-esquelético, a estrutura do corpo que permite o movimento no espaço, a deslocação. Numa palavra, a transitoriedade.
Já a admiração pelo Santo e a compaixão pelo sofredor moral, emoções sociais de uma natureza mais imaterial, mais ligadas à dimensão ética da existência humana, não só demoram mais tempo a instalar-se na Consciência, como subsistem nela durante períodos muito mais longos. São emoções profundas, relacionadas neurológica e anatomicamente com o meio interno do corpo e as vísceras, o complexo-raíz que liga cada ser à sua origem remota, à sua morada no Universo, ao seu Lugar. Há, portanto, uma neurofisiologia do egoísmo e do altruísmo. Há uma química e uma anatomia das emoções sociais, assim como das emoções básicas.
Nenhum país sai incólume, seja do ponto de vista político, seja económico, cultural ou social, de uma governação como aquela a que assistimos durante mais de 4 anos, liderada pelas forças políticas da Direita. Essa governação teve propósitos e instrumentos múltiplos, de natureza material, o conjunto dos quais mereceu a designação simplista de Austeridade ou Ajustamento. A expressão material, física e prática dessa Austeridade pretendeu provocar no corpo da nação, no corpo de cada português e dos portugueses no seu todo, um choque de privação, uma comoção de temor, ante a repentina imagem de uma absoluta fragilidade material em face dos desafios simples do quotidiano: ter uma casa para morar, a dignidade de uma profissão, comida para pôr na mesa, roupa para vestir os filhos, uma escola para os educar, um médico para lhe proteger a vida e uma singela ideia de futuro. Esse é um conjunto de princípios – ou direitos – basilares, primários, que desde sempre orientaram movimentos humanistas ocidentais, o socialismo democrático ou a social-democracia. Mas foram marcos materiais derrubados pelas políticas de Austeridade pensadas e executadas pela Direita, através de uma violenta compressão dos canais distribuidores da energia social, um agressivo bloqueio do sistema vascular ao qual cabe, numa sociedade de modelo humanista, europeia e democrática, fazer a todo o lado chegar a força que possibilita essa materialização necessária: a casa para não ter frio, a comida para não ter fome, a escola para compreender o mundo e o médico para que haja tempo e saúde suficientes para chegar a compreendê-lo o melhor possível. Numa palavra, a Dignidade humana.
Mas o propósito último e fundamental da Austeridade da Direita não foi, nem é, um propósito estritamente material. O que ela verdadeiramente busca, para tal usando o choque de terror físico, carnal, traumático, provocando e expondo a fragilidade intransponível de cada ser diante do mundo, o que ela realmente procura, é o medo desse mundo. O que a Austeridade serve é uma verdadeira revolução antropológica, com implicações sérias e permanentes mesmo no plano biológico, que faça retroceder o Homem a uma condição civilizacional anterior, a um nível inferior de Consciência, onde outra vez reine o primitivo complexo bioquímico e neurofisiológico do pânico e, por seu intermédio, o pensamento mágico, a superstição, a ignorância, a paralisia, a agressividade, a guerra ou a fuga.
Se política e sociologicamente a Austeridade conseguiu desviar o eixo da Democracia portuguesa para o lugar mental a que chamamos “Direita”, a ponto de fazer retornar aquilo a que chamamos “Esquerda” a uma raiz etimológica antiga, voltando a defini-la como o que é “Sinistro” e “Diabólico”, antropologicamente ela foi muito mais longe. Ela depositou-nos na Alma o ovo do medo, relembrou-nos o som estridente da voz dos deuses irados, a imagem apocalíptica do Adamastor, do Homem do Saco e do Lobo Mau, interpondo entre cada cidadão, ou entre cada comunidade, e o desafio da vida, um muro psicossocial intransponível.
Alguns defendem, com alguma razão, que a Política é a Arte do Possível. Acontece que, com extrema competência, a Direita vem reduzindo drasticamente o campo desse possível, até o transformar num reduto mínimo, num ponto nulo a partir do qual só se vislumbra o regresso a um modelo feudal de organização social, de novo assente na opressão e na ignorância, no pensamento único, no totalitarismo, na injustiça, no erro e no preconceito.
É necessário, por isso, alargar o campo do Possível e é isso que hoje está em causa. É imperioso que algum idealismo vitalize de novo a consciência do verdadeiro socialismo democrático e da social democracia. É preciso abrir Abril.

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