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RAUL TOMÉ |
Nunca somos verdadeiros, nem connosco próprios. Por mais que tentemos despir a personagem que escolhemos e descer do palco em que nos representamos, nunca somos quem dizemos ser, quem mostramos ser nem quem gostaríamos de ser.
Mostramos vidas e virtudes que se nos escapam por entre os dedos, e aproveitamos os grãos de areia que se espraiam pelo chão para fingir majestosos castelos, daqueles que se desfazem com o vento ou com o simples sopro de um qualquer lobo mau.
Somos apenas e só quem fingimos ser, num fingimento nem sempre coerente, nem sempre constante mas assustadoramente latente. Fingimos até nos nossos pensamentos, mesmo quando estes são abominavelmente maus e perversos, fugimos da verdade.
Quando a cólera se apodera de nós, podemos conter a raiva das palavras ou a violência dos gestos mas somos, inexoravelmente, corroídos pelo ácido implacável da nossa mente.
Consumidos pela cegueira que tolda qualquer razão, desejamos a morte a alguém para de seguida, inundados pelo gelo dilacerante do remorso ou pelo temor de qualquer justiça divina, fingirmos que a não desejámos, mudando o compasso do pensamento e dizendo para nós próprios “não, eu não sou assim, eu não quero isso”,
Mas és…somos…Somos todos!
Somos sempre quem fingimos ser. Até quando sonhamos, tornamo-nos piores do que verdadeiramente somos, ou melhores do que realmente conseguimos ser.
Só somos verdadeiros quando libertamos os grilhões das palavras impiedosamente proferidas, dos pensamentos indisciplinadamente incontroláveis e das atitudes perversamente irrefletidas.
Quando estamos fora de nós, quando perdemos o controle, quando tudo à nossa volta se adensa e sufoca, quando tudo nos aperta e nos rasga, podemos aproximar-nos do que verdadeiramente somos, dizermos o que verdadeiramente pensamos, fazermos o que verdadeiramente queremos. Fora isso, somos todos fingidores.