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ELISABETE SALRETA |
A tradição já não é o que era. É verdade. Muito se perdeu. Infelizmente.
Mas tempos houve em que era fonte de imensa alegria. Eram dias memoráveis, datas em que uma serie de coisas eram permitidas. Era o dar, o receber, o amealhar, ou ficar com uma valente dor de barriga.
Hoje fala-se do Halloween, tradição com origens Celtas, importada e com uma vertente comercial arreigada.
Mesmo assim, é possível usar a imaginação e festejar com os amigos, a tal dádiva.
Mas, cá na terra, festejava-se o dia de todos os santos, dia em que os mais pequenos se juntavam em grupos, muitas vezes de primos, e faziam uma ronda pelo bairro, pela terra e pelas casas dos familiares. Fazia muito que as mães passavam o serão a fazer o saco do Pão por Deus, fiel guardião de inúmeras iguarias, verdadeiros testes culinários às vizinhas. E livre-se de quem nada tivesse para ofertar. Seguiam-se gritos e canções esganiçadas com o intuito de cansar e irritar o prevaricador.
– Pão por Deus, Pão por Deus.
– Um pau pelas costas e vais com Deus. – Escutavam eles em resposta.
Cá por casa, a tradição começou muito cedo. Mas a criança, afoita, queria fazer tudo sozinha. Faziam-se dois sacos. Para ela e o seu fiel companheiro de brincadeiras. Ele não só a acompanhava, mas mais importante, protegia-a. Eram dois irmãos, naquele dia. Ela com o saco no braço, ele com um saco ao pescoço. Sacos iguais, diferentes no tamanho. Ela batia à porta e recebia a sua iguaria. Ele também. Embora uma visita inusitada, acabava por ser bem-recebido, mais que não fosse pela singularidade. E lá iam de porta em porta, até o saco estar demasiado pesado para as suas mãos pequeninas. Ele, oferecia o peito a mostrar o saco que levava ao pescoço, participando daquele ritual. A primeira reacção era de assombro, depois de um sorriso do dono da casa, a aceitação. E também ele recebia o seu brinde.
Chegados a casa, era o abrir dos sacos e a divisão das iguarias. O que se podia guardar e o que seria para comer no dia.
No primeiro ano, ficamos curiosos por saber o que o Pantufa (um podengo cruzado de beagle), traria no seu saco. Alguns rebuçados, nozes, ração de cão, broas e até moedas.
Ele ficava deleitado a olhar a sua menina, abanando o rabo e no seu semblante a imagem do dever cumprido. É isso que os deixa felizes. Serem uteis ao seu mestre da matilha.
Ela cansada ia dormir a sesta, porque os doces até nem eram assim tão importantes. Apenas a diversão e as moedas, que ela sempre gostou de guardar.
E assim preparávamo-nos para o Natal que estava logo ali à porta.
Pão por Deus, Pão por Deus.