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A DEPRESSÃO E O SUICÍDIO

 Disseram – me que ela estava deprimida e que por isso se suicidou.  E eu fiquei a pensar, tentando compreender, mais uma vez, que impulso poderoso é esse que leva alguém a terminar com a vida. Poderoso,  sim, porque aceder voluntariamente à  morte exige força.  Força negativa, dir-me-ão, ou cobardia, também há quem diga; e no entanto eu afirmo que usar seja que instrumento for e pôr termo à vida é um acto que não está ao alcance de qualquer um.

A depressão tem, efectivamente,  esta componente trágica: o indivíduo sente – se desvalorizado, de si para si mesmo, não encontra prazer nos gestos comuns do quotidiano, o amanhã é tenebroso ou vazio, qualquer acto comum (levantar – se de manhã,  tomar banho,  vestir – se, comer,  sair…) revela – se extraordinariamente penoso para o doente com depressão. Porque, de facto, é de uma doença que se trata.
O nosso cérebro tem um poder imenso, lidera todo o comportamento, dá instruções a todo o corpo (que, por sua vez, comunica com ele) e nele são sintetizados os neurotransmissores, de entre os quais destacarei a serotonina .
O comportamento humano depende da quantidade de luz que o corpo recebe por dia. Desta maneira, durante as estações menos soalheiras (Outono e Inverno) surge um aumento da depressão, da falta de capacidade para usufruir o prazer.  Quando chega a Primavera e o Verão, a serotonina é condicionada pela luz que se recebe do organismo, o que leva a um aumento progressivo do bem-estar e da felicidade, produto das concentrações deste neurotransmissor no cérebro. Pode-se dizer que a serotonina, além de ser a hormona do humor, é a “hormona do prazer”. Por exemplo, para que se produza a ejaculação orgásmica, o hipotálamo liberta oxitocina através da hipófise (hormona que segrega na neuro-hipófise e que também é responsável pelas contrações no parto). Depois da ejaculação, a quantidade de serotonina no cérebro aumenta exponencialmente, o que provoca um estado de prazer e tranquilidade. Depois do prazer é produzido um mecanismo de retroalimentação que reabsorve a serotonina. Este mecanismo estimula a libertação de hormonas como a somatrofina (hormona do crescimento) e a prolactina (hormona que tem ação sobre as glândulas mamárias atuando no seu crescimento e na formação de leite) e inibe a secreção das hormonas luteinizantes (LH) e das hormonas folículo-estimulantes (FSH), que estão encarregadas de estimular a síntese de AMP cíclico, que por sua vez estimula a biossíntese de esteroides sexuais. Este mecanismo de retroalimentação não seria possível se não existisse absorção de serotonina pela hipófise.
Este é  um assunto complexo e não irei muito mais longe na análise científica;  creio, no entanto, poder afirmar que a serotonina representa um papel fundamental no que diz respeito à capacidade humana de sentir prazer e que o seu deficit gera os sinais da depressão: essa profunda tristeza, esse desgosto de viver,  essa incapacidade de respirar fundo e caminhar em frente – muito simplesmente porque, para o deprimido, já não há caminho.
A depressão surge; e muitas vezes não encontramos uma explicação para tal. Um desgosto, uma tragédia,  uma perda são capazes de mergulhar a pessoa na depressão;  mas ela pode ser constitucional ou genética.  Perceber a causa da depressão, enfrentá – la,  resolver o problema seriam as soluções para o deprimido.  Porém,  o seu vazio é de tal modo profundo que ele não é capaz,  por si só,  de discernir uma causa e, ainda que suspeite dela, não tem ânimo para enfrentá-la, pelo que, à partida,  nada pode resolver.
Aqueles que o rodeiam, escassamente percebem que lidam com um doente, que precisam de estar atentos, tornando – se os motores para a busca de ajuda. Não tenhamos ilusões : a depressão não é  uma “mania”, uma “esquisitice” , o deprimido não fica apático,  isolado, de mau humor,  pouco sociável  etc. porque quer castigar o mundo à sua volta,  chamar a atenção,  ou ser intratável.  Ele fica assim porque o seu cérebro não faz a síntese das substâncias que lhe restituiriam o ânimo e, se não se dispuser a tomar medidas, procurando o médico,  dificilmente irá superar a crise.
O médico irá receitar – lhe antidepressivos,  ou seja, substâncias químicas capazes de reporem os níveis de serotonina,  promovendo, gradualmente,  o retorno da normalidade. Mas o médico também lhe dirá, pelo menos, mais duas coisas: que essas pílulas mágicas ajudam a química do cérebro e de todo o organismo, melhorando o humor e ainda que terá,  nesse momento em que recuperar a energia,  de procurar as causas do estado depressivo e abatê – las.  Não é um processo simples ou linear, nem se compara a outras enfermidades para as quais um certo medicamento, uma certa cirurgia resolverão de vez o problema.
A depressão entra muito fundo em todo o organismo visto que a condição necessária e suficiente para alguém estar vivo depende de actos de vontade, de desejo, de procura;  e o deprimido perdeu – os.
O médico  (e também os folhetos dos antidepressivos ) alertará o doente,  falando -lhe do perigo de poder querer suicidar-se e, muitas vezes, hospitaliza-o para debelar o risco.  Mas, ainda assim, esse desejo de morrer, esse sentimento profundo de que ninguém precisa dele, de que está sozinho no mundo e de que nada tem valor podem ter uma força irresistível.
A depressão atinge de forma trágica este nosso tempo. Vivemos um quotidiano quantas vezes insatisfatório, injusto, acelerado,  em que as perdas são maiores que os ganhos.  Fugimos de nós mesmos e do nosso deserto, alienamo – nos de muitos modos :com bebida,  comida, drogas. Um dia, face a  face com a nossa própria imagem, não somos capazes de nos aguentar, desistimos de nós mesmos : é não há pai, mãe,  filhos ou amigos,  ou tarefas, ou dinheiro ou seja o que for que nos demovam da autodestruição.  Porque o suicídio não é somente aquele gesto definitivo com que nos ferimos,  mortalmente,  de uma vez por todas,  o suicídio pode ser lento, pode ser prepertado hora a hora,  dia a dia,  no vício, na bebedeira, nas fugas de todo o género à normalidade do viver.
Creio firmemente que aquele que se suicida, num certo momento,  é porventura mais digno do que aquele que finge viver e no entanto está a destruir -se pouco a pouco : o primeiro enfrentou a derrota de si próprio e terminou com ela, o segundo vai-a ostentando num lamentável espectáculo.
Logo, de certo modo, todos os homens são suicidas, todos os homens praticam em si a autodestruição, preferindo, escolhendo aquilo que os prejudica. São suicidas mesmo no modo como tratam a terra, o seu único habitáculo, tornando – a,  progressivamente,  um lugar inóspito;  são suicidas porque criaram um universo de relações enviezadas, de onde a verdadeira sociabilidade  se ausentou; são suicidas no modo como dirigem o quotidiano,  feita carga insuportável para a qual têm que procurar um desvio.
Não admira, pois, que a depressão seja a doença mais comum do nosso tempo e que nele despontem,  para geral consternação,  os outros suicidas,  mais raros,  mas mais autênticos : os que decidem sair do mundo através de um acto violento (para eles e para quem os rodeia) e  escolhem o meio de a si próprios se aniquilarem,  de uma vez.

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