Escrever é, para mim, um acto sagrado. Se falo assim é na exacta medida em que, invariavelmente, começo a escrever obedecendo, à partida, a uma ideia – líder; e, após algumas linhas, o texto desliga – se da premissa inicial e vai seguindo o seu caminho, surpreendendo – me.
Só deste modo sou capaz de produzir obra, escrevendo. O mote, se existe, representa apenas o motivo desencadeador, a intenção, o móbil; o que acontece a seguir é automático.
Há quatro anos que escrevo semanalmente para a Birdmagazine e procedo exactamente assim. Muitas vezes percebo que a semana passou, vejo que está na hora de enviar a crónica e não tenho uma única ideia sobre o que escrever. Concentro – me um pouco, traço as primeiras palavras e logo outras acorrem a dar sentido ao repto inicial, seguindo um rasto, um murmúrio, um presságio.
Por vezes, não releio o que acabei de produzir, envio o texto assim mesmo, ainda fumegante do ardor da criação. E é no dia seguinte que corro a procurar o sítio da revista para ler, em surpresa, o que me aconteceu na noite anterior. Geralmente não há erros ou gralhas a corrigir; se há, não tenho pruridos em solicitar ao editor que faça a correcção, para que o texto brilhe na sua plena autenticidade.
Participar, deste modo, numa revista online, de permeio com vozes múltiplas, expressando sensibilidades várias e opiniões diversas – porque é assim o mundo – dá – me uma extraordinária sensação de pertença. Pertença à espécie humana, que deste modo escolheu, também, exprimir – se, pertença a um grupo de pessoas vindas de vários quadrantes culturais, pertença a um universo linguístico riquíssimo, onde a palavra escrita é soberana.
A Birdmagazine, não é especializada, ou seja, não integra somente um tema ou uma área científica e cultural. O seu carácter abrangente percorre uma plêiade de assuntos e tem ao seu dispor um conjunto de pessoas dispostas a reflectir sobre educação, saúde, economia, literatura, artes, desporto e tantas outras. Só por si, este carácter diversificado possibilita que o leitor encontre, com extrema facilidade, o sector que mais lhe diz respeito; e ainda que alargue os seus interesses por todas as outras áreas, aderindo, deste modo, a uma mais ampla e frutuosa cultura.
Percebo que os leitores acorrem e muitos deixam o seu testemunho, comentário ou opinião. Esta é uma das características marcantes do nosso tempo : para o bem e para o mal as publicações online fazem desabrochar o espírito interactivo do homem que, de imediato, pode produzir e ler os textos mais diversos, sabendo que outros a eles acederão. E o debate acontece.
Creio que esta possibilidade de lançar temas e defender perspectivas, em ordem ao debate, é um dos aspectos mais importantes da Birdmagazine, bem como de outras publicações online. O leitor deixou de ser passivo, pode e deve manifestar as suas ideias e participar num fórum alargado; pelo seu lado, o autor sabe que, do outro lado, encontrou ecos do seu pensamento, de imediato reproduzidos. Não é necessário esperar meses até que o livro saia e as ideias sejam assimiladas pelo público, tudo está logo ali, ao alcance dos olhos e das mãos, de uma forma fluida e sintética – método que tanto se coaduna com este tempo acelerado que vivemos.
Tratar a Filosofia neste fórum é dar cobertura à especialidade que me caracteriza e que, tão pouco considero uma “especialidade ” em sentido estrito, apesar de ter usado a palavra para aludir – lhe. Com efeito, a Filosofia, se optarmos por dizer que é uma “especialidade “, é -o da generalidade e tal definição não chega a ser contraditória.
Desde que, pelo estudo e pela prática, cheguei aos domínios da Filosofia, tomando contacto com os grandes nomes que desde os tempos mais remotos a criaram e com a multiplicidade de domínios e temas que a constituem, sem nunca ser possível apor-lhe a palavra fim, que empreendo uma luta dinâmica para preencher lacunas. Os estudos básicos e depois a experiência da universidade não foram de modo nenhum suficientes; deram – me, decerto, o impulso, mas logo a seguir precisei de, eu própria, trilhar os caminhos necessários em direcção ao que sentia faltar – me. Esses caminhos, rumo ao mais longínquo e remoto ou, pelo contrário, ao que está tão perto que passa despercebido, ainda os trilho.
Agrada -me, pois, sobremaneira, ler o pensamento de outros que comigo participam nesta aventura, eventualmente dissecá – lo, para um dia aceder ao diálogo e, por essa via, ao acrescentamento.
Platão, o célebre discípulo de Sócrates, na Grécia antiga, seguiu o mestre que incessantemente travava diálogos, ao vivo, pelas ruas de Atenas e fê-lo, escrevendo, permitindo à posteridade conhecer a capacidade discursiva e dialéctica desse homem que nunca escreveu mas quis levar os concidadãos à auto-descoberta. Enredada na do mestre, cintila, por seu turno, a voz poética do discípulo e nela descobrimos poderoso ensinamento. Mas também uma dose considerável de encanto : que o ensinamento sem encanto quebra – se antes de poder reproduzir -se.
Se trago Platão para este fórum é na exacta medida em que muitas vozes expressando muitas perspectivas são um óptimo motivo para exercitar a arte dialéctica – e é esse um dos motivos predominantes que me levam a, semana após semana, dar o meu contributo, marcando presença e sendo parte deste fecundo projecto.
Por esta série de razões, sinto – me à vontade para afirmar e reconhecer o valor da iniciativa e pertinácia do editor, Ricardo Pinto, que soube procurar os autores e levá -los a colaborar, dando voz ao seu plano. E creio firmemente no futuro desta revista online que foi graciosamente apelidada de Birdmagazine, e encontrou sentido na legenda que lhe serve de frontespício , “O pouso das palavras, o voo das opiniões. “