Foi dos julgamentos mais inquietantes a que assisti. Da primeira à última sessão, em que foi lido o Acórdão no Tribunal da Guarda.
Revolta. Dor. Tristeza. Mas Força para pedir Justiça. Uma avalanche de sentimentos e emoções ali reunidos, naquele Tribunal, durante cerca de 5 meses. Não tivesse tido o caso de Aguiar da Beira consequências tão trágicas, em outubro de 2016. Três homicídios concretizados e um na forma tentada, mais um rasto de sangue e lágrimas que as famílias continuam a derramar. Todos os crimes imputados a uma mesma pessoa: ao agricultor estudante Pedro João Dias.
Durante quase uma dezena de anos como jornalista assisti a inúmeros julgamentos. Sempre imbuída da isenção e objetividade a que obriga o bom exercício da profissão, preocupada com os diretos de hora a hora, em conseguir as melhores entrevistas e relatar o mais fielmente possível a informação. Agora, do lado de dentro como agente da justiça, sentada do lado dos Advogados dos Assistentes, a minha perspetiva mudou e ganhou uma dinâmica jurídico-filosófica. Dei comigo a pensar por várias vezes, durante aquelas sessões de julgamento, que mais do que o resultado, isto é, mais do que uma condenação, era preciso que o desfecho daquele processo resultasse numa reflexão da própria sociedade sobre a eficácia das nossas molduras penais. Afinal, a aplicação do Direito serve uma prevenção geral na sociedade de proteção dos bens jurídicos e, mais, deve assegurar a paz social. E quando a aplicação do Direito não é eficaz ficamos todos em perigo.
Todas as provas (físicas, biológicas e testemunhais) recolhidas na fase de inquérito apontavam para Pedro Dias. Logo na primeira sessão, e já que o arguido não o tinha feito até então, esperava-se que falasse. Eu, pelo menos, tinha alguma expectativa. Guardou-se para o fim. Só quis contar ao Tribunal a sua versão dos factos quando já todas as testemunhas tinham sido ouvidas. Uma versão “cinematográfica”, como os próprios juízes escreveram no Acórdão, que jamais poderia ser colhida pelo Tribunal. Mas o facto de Pedro Dias ter falado e contado aquela versão fez também com que ficasse a nu a sua falta de arrependimento, “o calculismo” e o “desprezo pela vida humana”.
Pergunta-se: A nossa pena máxima chega para casos como o de Pedro Dias? Tem 44 anos, já cumpriu 1 ano e meio em prisão preventiva, pode começar a sair em liberdade ao fim de 19 anos e 3 meses. E isto choca quando se trata de uma condenação a 104 anos de prisão, 25 anos em cúmulo jurídico. Choca porque este mesmo indivíduo nem os 25 anos vai cumprir!
E choca, ainda mais, quando se percebe que a lei penal portuguesa é das mais leves do mundo e que está desajustada em relação à realidade atual, com um tipo de criminalidade cada vez mais violenta no país e na Europa.
E se amanhã Portugal for alvo de um ataque terrorista que mate 100 ou 200 pessoas? Apanhados e julgados em Portugal, os terroristas terão exatamente o mesmo destino que Pedro Dias. Com a agravante de poderem até ser mais novos em idade e de saírem demasiado jovens da prisão.
E se nessa altura ainda nada tiver mudado? A lei será a mesma e o sentimento geral de desconfiança em relação à justiça maior do que nunca.