
O desembarque na Ilha de Bubaque não é fácil. A primeira vez que lá cheguei, há uns anos, com as minhas típicas havaianas de turista, vi-me aflita para sair do antigo cacilheiro do Tejo e trepar as escadas improvisadas em dia de maré baixa com o porto muito lá em cima. Coisa simples para quem não sofre de vertigens (o que não é o meu caso) ou para os locais que sem qualquer problema içavam crianças, colchões, móveis, vacas, galinhas ou porcos até ao pontão. À segunda vez, já precavida, levei umas sapatilhas todo o terreno mas não me livrei dos bichinhos pretos e em enorme quantidade que teimavam em explorar sola nova que ali desse à costa subindo sem pudor pelas nossas pernas. Percebi então que Bubaque seria sempre um desafio, o que comprovei recentemente com mais uma aventura para sair do barco que ali me levou, desta feita com uma bebé ao colo. Mas um desafio que vale a pena. Pelo que ali encontramos, quando tão pouco esperamos de uma ilha super povoada e urbanisticamemte desordenada e descaracterizada.
Saindo do porto e rumando à direita, entramos por umas ruas sinuosas, que nos levam pelo antigo mercado cheio de bugigangas e fruta, até uma fábrica de gelo e, com o mar sempre a bordar a paisagem, chegamos ao Sal do Mar, o restaurante do simpático espanhol que há uns meses me abriu a porta, apesar de estar encerrado e, sem me conhecer de lado algum, partilhou comigo o seu almoço e uma cerveja bem fresquinha que me soube pela vida. Sorte a minha pois a alternativa era ficar sem comer até ao jantar (já encomendado) pois quem chega comigo eu às 3 da tarde a Bubaque sem nada na mochila, pouco ou nada pode esperar encontrar para forrar o estômago.
Passando este pequeno quinhão de paraíso com acesso privado à praia e onde se pode ver um maravilhoso por do sol, chega-se à casa do antigo administrador. Resquícios do tempo colonial que até há uns anos ainda serviu de base à sede do poder administrativo da ilha, não passando hoje de uma ruína que, perante a impassividade de quem manda, vai enchendo o chão de entulho com os tijolos e as telhas que já abrigaram o poder. Mais à frente, uma obra inacabada e já tomada pela natureza que, por motivos distintos, fere a paisagem que um dia foi de sonho.
As ruas da cidade de Bubaque, povoação que tem o mesmo nome
da ilha, estão esventradas e cheias de armadilhas para o peão menos atento, abrigando aqui e ali pequenos hoteis ou pensões, essencialmente de franceses.
Do outro lado do porto, além da estrada que nos leva até à Tabanca da Nova Bijante, mesmo no coração da Ilha, também é possível visitar um museu de arte Bijagó, criado por um Missionário italiano há muitos anos ali radicado, que nos mostra a enorme riqueza cultural deste povo.
Aqui em Bubaque também encontramos uma pista, aliás, uma das poucas ainda ativas no país, e que serve de base de aterragem a avionetas, de poiso de pastagem a vacas, cabras ou galinhas e de estrada para os poucos veículos que existem na ilha. Pude comprovar isso mesmo no início deste ano com duas abordagens à pista para afastar a vaca pachorrenta que teimava em ali fazer uma sesta ou pela quase colisão com uma furgoneta quando, na avioneta, nos preparávamos para fazer uma manobra na pista (ou estrada) para seguir viagem e o condutor do veículo achou que era sua a prioridade de passagem.
Aqui nesta ilha conheci artistas – escultores, artesãos, pintores e, muito especialmente um jovem desenhista que à falta da desejada máquina fotográfica, desenhava com um pormenor fabuloso a carvão todos os peixes que ia conhecendo no Atlântico que banha Bubaque e que gostaria de fotografar. Fiquei com algumas dessas obras de arte únicas e tão cheias de significado, contribuindo para o mealheiro destinado à máquina.

Mas Bubaque tem mais que a sua capital. Tem tabancas (aldeias) cheias de pequenos, mães e pais que vivem da agricultura e de alguma pesca, tem muitas tradições animistas, como todas as outras ilhas habitadas pela etnia Bijagó, tem árvores frondosas, tem bolanhas de arroz e campos cheios de amendoim. E ainda mais crianças, sempre sorridentes a acenar a qualquer estranho que passe ao longo da estrada (a única) que nos leva a uma outra parte da ilha onde encontramos um pequeno paraíso chamado Bruce.
Aqui deparamo-nos com um extenso areal branco, onde as ondas do mar morrem docemente na areia, como se quisessem passar despercebidas e o silêncio só é interrompido pelas discretas vagas ou por uma ou outra ave mais ruidosa.
Recentemente abriu aqui uma unidade hoteleira que permite viver momentos únicos de comunhão com a natureza e passar uns dias diferentes na ilha mais populosa do Arquipélago dos Bijagós.
Regresso sempre de Bubaque com a sensação de que ali coexistimos com uma realidade bem diferente da que temos no nosso quotidiano. Com muitas limitações e algumas dificuldades, bem sei, mas com uma riqueza cultural, étnica e social que me faz cada vez mais acreditar que o sal da vida se encontra fora e bem longe da minha zona de conforto.
Quem sabe, aqui em Bubaque, uma das quase 90 ilhas dos Arquipélago dos Bijagós.