
A crónica desta semana elucida sobre o quão importantes são as modernas técnicas de investigação para a resolução de “casos” do passado.
Em 1905 na ancestral necrópole de Deir el-Bersha, localizada na margem leste do Nilo no Médio Egipto, foi descoberto um túmulo identificado como o local de repouso do governador Djehutynakht e da sua esposa com o mesmo nome.
Todavia em algum ponto do seu longo descanso de 4000 anos, o local foi saqueado e despojado tornando-se num perpétuo caos.
Na ânsia de encontrar todo o ouro e jóias os larápios não olharam a meios para atingir os seus fins e nem os corpos foram poupados ao saque.
Entre os objectos partidos e atirados para os cantos, estão alguns de valor inestimável e que apesar das desventuras se tornaram o maior conjunto de artefactos funerários do Médio Império já descobertos: a cabeça de uma múmia repousava em cima de um dos sarcófagos, enquanto um torso repousa num canto da câmara.
Todo o espólio (menos o torso que ficou no Egipto) do túmulo 10A, assim denominado pelos arqueólogos, seguiria para o Museu de Belas Artes em Boston em 1921. Porém, os investigadores nunca chegaram a saber se a cabeça mumificada era do Senhor Djehutynakht ou da Senhora Djehutynakht.

A dúvida ficaria juntamente com o espólio armazenada em Boston.
Finalmente, em 2009 todo o espólio foi tirado do alheamento em que se encontrava e exibido numa exposição dedicada aos achados: The Secrets of Tomb 10A: Egypt 2000 BC.
Como era de prever a cabeça teve lugar de destaque tanto pela sua expressão de serenidade, sobrancelhas pintadas e ausência de corpo, mas também, por não estar identificado quanto ao género. A sua identidade fugia dos investigadores apesar de todas as tentativas.
Em 2005 foi realizada, no Massachusetts General Hospital, uma TAC que revelou que a cabeça estava sem ossos da bochecha e sem parte da articulação da mandíbula, características que forneceriam informações sobre a identidade de género.
As hipóteses dos especialistas para este tipo de “mutilação” facial referenciam uma cerimónia intitulada “A abertura da Boca” que ajudaria o defunto a comer, beber e respirar na vida após a morte.
Em 2009 a cabeça regressou ao Massachusetts General Hospital para extrair o molar na tentativa de obter uma amostra não contaminada de ADN.
Todavia era consensual entre a comunidade científica ser praticamente impossível extrair ADN de uma múmia tão antiga, tanto que o clima quente e árido do Egipto não é o melhor amigo na preservação do mesmo.
Todos os esforços para recolher ADN foram infrutíferos.
Por fim em 2016 o dente e o mistério a ele ligado “bateram” à porta do Federal Bureau of Investigation (o famoso F.B.I) mais concretamente a Dra. Odile Loreille uma veterana analista de ADN.
A reconhecida analista tinha já recuperado o ADN de um urso com 130,000 anos e de dois filhos da família Romanov assassinada durante a revolução Russa entre outras proezas no mundo do ADN antigo. A mesma refere num artigo sobre a extracção do ADN, publicado na revista Genes, que conseguiram encontrar linhas legíveis de ADN no pó do dente.
No laboratório do F.B.I, a Dra. Loreille perfurou o núcleo do dente e recolheu uma amostra de pó, dissolvendo-o o numa mistura líquida que foi projectada para amplificar o ADN existente. Depois de verificar que a amostra não se encontrava contaminada, a informação foi inserida no computador e através da análise dos cromossomas o mistério dissipou-se.
A identificação foi concluída com sucesso: É o Sr. Djehutynakht, governador da localidade de Hare que terá vivido por volta de 2000 a.C.
Para além da identificação, a bem sucedida extração de ADN de múmias tão antigas ajudou também a perceber que os egípcios modernos estão intimamente relacionados com as pessoas da África Subsaariana. O ADNextraído da múmia indicava que o governador vinha de ascendência Eurasiana.
Estas descobertas são o testemunho dos avanços tecnológicos em estudos de ADN e lançam as bases para muitas outras investigações desta natureza.
O avanço da tecnologia aplicado no passado, presente e futuro da humanidade.