De Bissau até Farim são cerca de 115 Km, divididos entre uma estrada razoável até Mansoa e uma estrada óptima daqui até Farim. Na verdade os ultimos 45km são percorridos numa estrada bem asfaltada, com marcações ao longo de todo o percurso, com bermas e até passadeiras, o que torna a viagem muito agradável e com tempo para apreciar a bonita paisagem envolvente.
Depois de passar uma povoação com o estranho nome de K3 (resquícios da presença militar do tempo colonial) a estrada termina abruptamente na margem do Rio Cacheu. Não há ponte. Há uma jangada que transporta um carro e passageiros quando não avaria. E há pirogas que levam passageiros equipados com colete salva vidas, pois há por ali naufrágios de má memória que impõem cuidados redobrados. Ah, e já agora por curiosidade, também alguns crocodilos. Mas para evitar encontros de risco, o colete tem pouca ou nenhuma utilidade. Apenas se deve ter cautela e contar com o factor sorte.
No dia em que ali estive a última vez a nossa pick-up também passou para a outra margem, entrando e saindo da jangada por uma íngreme rampa de cimento, acompanhados de alguns passageiros carregados com legumes, frutas e peixe .
À primeira vista, Farim é uma cidade abandonada. Um burro, puxado por uma criança que nos acena, passa para ir buscar carga chegada no barco e nós detemo-nos a ver a antiga igreja colonial e a estátua ali em frente, evocativa dos 500 anos da morte do Infante D Henrique. A antiga piscina olímpica, também ali junto do porto, não passa de uma memória do que deve ter sido um lugar de lazer e cheio de beleza. Hoje tem um pouco de água barrenta no fundo, resto das chuvas da véspera onde brincam animadamente umas crianças. Depois de passar a antiga pista de aviação, onde nasceram casas como cogumelos em terreno baldio, encontramos o largo dos mártires do terrorismo, a lembrar o bombardeamento não reivindicado de 1965 que vitimou dezenas de mulheres e crianças que dançavam animadas durante a celebração do “Djamdadon”, uma das manifestações culturais da etnia Mandinga ali predominante.
Farim é um conjunto de ruas ainda extenso, com casario de arquitectura colonial a bordar as principais artérias que levam até ao largo onde se realiza o mercado. Ali há de tudo, mas chama a atenção sobretudo o sal, vendido pelas mulheres que o produzem nas margens do rio Cacheu. A brancura do sal em grandes alguidares contrasta com a beleza das mulheres africanas, ali sentadas na expectativa da chegada de um cliente a quem vender o sal com medidas de latinhas outrora portadoras de alimentos de conserva, o que nos oferece um quadro digno de uma paragem para registar fotograficamente de uma das actividades mais características de Farim.
Neste largo há um poço onde as mulheres se vão abastecer da água necessária aos afazeres do dia a dia e um cantinho à sombra onde os homens se dedicam a jogar damas. Enquanto jogam, o rádio a pilhas debita em altos berros as notícias (quase sempre desanimadoras) sobre a situação económica e política do país, seguidas pelos comunicados diversos feitos pelas autoridades, por quem procura bens desaparecidos ou por quem garante resolver todos os problemas amorosos, financeiros ou de saúde que possam perturbar o bem estar dos ouvintes.
É esta cidade de Farim, cristalizada num tempo sem data que deixo para trás quando regresso ao porto, por uma outra estrada ladeada de casas abandonadas e paro no único sítio disponível para nos dar de comer naquele dia. Entre umas cervejas bem fresquinhas, lá comemos uma travessa dos melhores camarões que provei ate hoje (que nos sairam mais baratos que uma cerveja em Portugal) e uma galinha cafriela de chorar por mais.
Enquanto esperamos que a jangada volte a encostar deste lado de cá, conversamos à sombra de um mangueiro com dois ou três habitantes sobre a beleza da sua terra e a quem gabamos a qualidade do seu camarão. Fitam-nos cheios de orgulho e quando finalmente está tudo a postos para podermos regressar a Bissau, vão connosco até ao barco despedindo-se com a alegria estampada no rosto e o pedido de que os ajudemos a dar a conhecer Farim para além fronteiras.
É o que tenho feito quando me perguntam se conheço Farim e tento cumprir aqui nesta minha crónica de hoje. Dando-vos um pequeno lamiré do que podem ali encontrar e deixando a garantia que não se irão desiludir com o passeio e ainda menos com os deliciosos camarões do rio Cacheu. Palavra de apreciadora.