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FILICÍDIO – O PORQUÊ DESTA REAÇÃO?

 Todos temos a consciência do que é um homicídio, falamos ou ouvimos falar deste quase todos os dias, associamos imediatamente a uma morte violenta, inesperada, injusta, sabemos que é o ato praticado por uma pessoa que retira a vida a outra pessoa, e esta simples palavra causa-nos incómodo, mas, a menos que seja algo macabro, já não nos sensibiliza de forma profunda.

Mas quando ouvimos a palavra Filicídio, aí sim, paramos e prestamos atenção, e o porquê desta nossa reação, se é tão simplesmente apenas um tipo de homicídio? Porque é que a própria palavra acarreta um peso diferente da palavra homicídio?

Porque quando a esmiuçamos, filĭu que deriva do latim e significa filho, caedĕre que significa matar, acrescentado do sufixo -io, tomamos a consciência da verdadeira diferença da palavra homicídio vs filicídio:

É um Pai/Mãe a matar o seu filho/a, contrariando a ideia de que o amor dos progenitores é incondicional. A morte de um filho provocada pelo seu progenitor atinge violentamente as normas estabelecidas pela sociedade, moral, biologia, psicologia e juridicamente, tornando-se um tabú para a sociedade, tendo uma carga totalmente diferente de qualquer outro homicídio, sendo este tema mais pesaroso, quanto mais pequena e indefesa fôr a criança.

No entanto, este não é um crime recente, remonta à mitologia grega através de Medéia, que para se vingar pela traição do seu marido, Jasão, mata os seus dois filhos, motivada pela rejeição e ciúme.

Se o homicídio se reporta às primeiras 24 horas de vida do bebé, estamos perante neonaticídio, se for durante o primeiro ano de vida, é chamado de infanticídio.

Os neonaticídios são, na grande maioria, praticados pela progenitora, tal como os homicídios durante a primeira semana de vida, já o progenitor é o principal homicida nos casos de filhos com idades mais avançadas.

Em alguns estudos, e ainda são poucos os elaborados nesta área, são identificados como originadores deste ato, fatores de pressão psicossocial, como por exemplo, o desemprego, graves problemas financeiros, relações abusivas, conflitos familiares e fraco apoio social, consumo de substâncias legais ou ilegais, como o álcool e drogas, bem como um historial de abusos enquanto crianças e isolamento social.

Atualmente, o filicídio é explicado pelos investigadores como ocorrendo em cinco possíveis situações, que são:

  1. Filicídio por psicose aguda – o progenitor está em estado psicótico no momento em que comete o crime, ou seja, a pessoa tem o seu sentido de realidade afetado, podendo ter sintomas, tais como alucinações, pensamento desorganizado, agitação, agressividade, impulsividade e outras alterações do comportamento, é consequência de doença mental grave, podendo atingir até 5% da população num momento da vida.
  2. Filicídio de filho indesejado – acontece quando a criança não é desejada por um ou ambos os progenitores, encontrando-se frequentemente relacionada com casos de filhos fora do casamento ou com paternidade incerta. Este crime é mais frequentemente cometido por mulheres, quando a mãe escondeu a gravidez matam o filho assim que nasce, é particularmente o neonaticídio.
  3. Filicídio por vingança conjugal – é um homicídio de retaliação, é uma forma de punição contra o outro progenitor, habitualmente devido ao ressentimento pela falta de poder no relacionamento, rejeição, ou ciúme, é mais frequente ser cometido por homens.
  4. Filicídio acidental/Negligência – abrange as situações em que, não existindo a intenção de provocar a morte do filho, esta ocorre na sequência de maus tratos, falta de cuidado para com a criança.
  5. Filicídio altruísta –  o progenitor acredita que é a escolha mais benéfica para o filho, pela vontade de aliviar o sofrimento, real ou imaginado, do filho neste caso, é muito frequente que o progenitor que cometeu o filicídio, se suicide após o ato.

É um dado biológico, que as mulheres, após o parto ficam numa situação de vulnerabilidade, com possíveis alterações do seu estado mental, derivada à quebra súbita dos níveis hormonais, e alterações da função neurotransmissora no sistema nervoso central.

Relativamente a perturbação pós-parto, dos diversos estudos pesquisados, resulta que a psicose pós-parto é relativamente rara, no entanto cerca de 12 a 16% das mulheres experienciam a depressão pós-parto. Esta traduz-se em sentimentos de inadequação do papel de mãe, problemas de memória e/ou concentração, perda de interesse ou prazer em realizar qualquer atividade, chegando algumas mães a ficar entorpecidas por medo e preocupação pela segurança da criança.

No primeiro ano após o parto, 10 a 15% das progenitoras têm um episódio de depressão major, e 30 a 40% apresentam vários sintomas de depressão, o que se torna um ciclo, pois os filhos de progenitoras deprimidas são mais irritáveis e difíceis de confortar, os ciclos de sonos são mais irregulares, o que agrava a patologia da mãe e resulta num maior risco de serem vítimas de maus tratos pelas mães.

Do ponto de vista jurídico, podemos estar perante um dos seguintes crimes:

Artigo 132.º
Homicídio qualificado

1 – Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos. 

2 – É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:
a) Ser (…) ascendente, (…) adotante, da vítima.

 

Artigo 133.º
Homicídio privilegiado

Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

Artigo 136.º
Infanticídio

A mãe que matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora, é punida com pena de prisão de 1 a 5 anos.

Deve-se ressalvar que a jurisprudência aponta para que tendo uma Mãe atuado sob intensa perturbação emocional, com alteração do estado de consciência (embora, sem perder a consciência da ilicitude) associada ao puerpério[1], e sob esse estado mata o filho recém-nascido, que daí não decorre que, por o ter morto logo a seguir ao parto, agiu sob a influência perturbadora do parto.

Então,

como podemos entender que sendo a família o único bem garantido do qual ninguém quer abdicar, que haja alguém que renuncie do seu papel de cuidador e mate o seu próprio filho?  Esta é a uma pergunta para a qual ainda não há muitas respostas. Talvez nunca se perceba o que leva a estes desfechos dramáticos em que a vítima é para além de um inocente, alguém completamente indefeso.

Sabemos que este crime provoca na sociedade um sentimento de revolta e vontade de vingança, por a vítima não ter hipótese de se defender.

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[1] Puerpério é o período após o parto no qual o corpo da mulher passa por alterações físicas e psicológicas até que o organismo retorne ao estado anterior à gravidez, que vai desde a expulsão da placenta até 6 a 8 semanas após o parto.
Durante o puerpério, o corpo da mulher passa por profundas modificações físicas e emocionais para retornar ao estado pré-gravidez. Ao mesmo tempo que recupera lentamente do parto e das alterações ocorridas ao longo da gravidez, também precisa de se adaptar ao seu papel de mãe.

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