Ainda é do tempo em que fazer dieta significava “cortar” nas gorduras? Pois eu sou e, provavelmente, todos os que têm hoje mais de 30 anos. Observamos, porém, que o paradigma mudou.
Pese embora a quantidade e o tipo de gorduras que ingerimos seja importante numa alimentação saudável, são crescentes as evidências científicas que apontam para um novo “veneno”: o açúcar. Este, e não a gordura, parece ser o actual vilão de muitos dos problemas de saúde das sociedades modernas.
O que é o açúcar?
Existem duas classes de nutrientes: os macronutrientes (proteínas, hidratos de carbono ou glícidos e lípidos ou gorduras) e os micronutrientes (vitaminas e minerais). O açúcar é um hidrato de carbono do tipo simples (os hidratos de carbono dividem-se em complexos, ou de absorção lenta, e simples, ou de absorção rápida), sendo a sacarose (açúcar de mesa), a lactose (açúcar do leite), a frutose (açúcar da fruta), a maltose (açúcar dos cereais) e a glicose (molécula básica de açúcar utilizada pelas células para produzir energia) exemplos de açúcares. Considerando que os hidratos de carbono são a principal fonte de energia do nosso organismo, podemos afirmar que as nossas células precisam, pois, de açúcar, mas, como veremos adiante, também podemos afirmar que o seu consumo excessivo é altamente prejudicial à saúde.
Importa referir, para devida compreensão do tema, que açúcar a que aqui se refere como causador de doença é o açúcar livre (como a sacarose que se adiciona ao café, ao chá ou aos doces) e o açúcar adicionado (aquele presente em alimentos processados), não incluindo as farinhas refinadas (apesar de não serem também uma opção saudável) nem o açúcar naturalmente existente nos alimentos ricos em hidratos de carbono como a fruta fresca, legumes, cereais integrais e lácteos naturais, sendo que o consumo destes alimentos está, até, associado à redução do risco de várias doenças.
O que se sabe realmente sobre o impacto do açúcar na saúde?
Comecemos por referir o que é, decerto, senso comum: o consumo regular de açúcar está associado ao aumento do risco de desenvolvimento de cáries dentárias, excesso de peso e diabetes tipo 2. Esta relação é bem documentada e, sem surpresa, é tida como certa e aceite por especialistas e leigos. Passemos, pois, às surpresas: inúmeras pesquisas apontam para uma preocupante associação entre açúcar e doença, nomeadamente o aumento do risco de doenças cardiovasculares (enfarte, acidentes vasculares cerebrais), cancro, inflamação, Alzheimer e envelhecimento precoce.
A relação do açúcar com a saúde do coração e vasos sanguíneos pode parecer, a princípio, pouco clara, mas se pensarmos que o excesso de açúcar está associado ao desenvolvimento de diabetes tipo 2, obesidade, excesso de gordura visceral (interior do abdómen), triglicéridos elevados e aterosclerose (processo inflamatório lesivo das artérias), percebemos que, só pela via do aumento dos factores de risco de doença cardiovascular, o açúcar pode ser tão ou mais prejudicial para o coração quanto as gorduras “más”. A sua relação com as doenças cancerígenas é sugerida sobretudo para alguns tipos de cancro, como o da mama e do cólon e do recto, sendo que o açúcar também está associado a elevadas taxas de recorrência da doença e a baixas taxas de sobrevivêcia pós-tratamento. Também o fígado é muito prejudicado pelo consumo exagerado de açúcar, especialmente na forma de frutose (aquela adicionada a alimentos processados, como bebidas doces, e não a frutose natural obtida através do consumo de fruta fresca), que se revela tão tóxica para este órgão como (surpreenda-se!) o consumo de álcool. O consumo de hidratos de carbono de absorção rápida também está associado à inflamação das células que o metabolizam, levando, a longo-prazo, a um estado geral de inflamação crónica que, além de factor de risco de aterosclerose, pode estar associado à progressão de doenças inflamatórias autoimunes, como o lúpus ou formas de artrite, por exemplo. Ainda, o excesso de açúcar está associado ao declínio da saúde cognitiva em geral, podendo contribuir para a perda de memória e Alzheimer, e ao envelhecimento precoce das nossas células, manifestando-se desde logo no aparecimento prematuro de rugas e manchas na pele.
Como se não bastassem os terríveis efeitos descritos, os açúcares são também o que, em nutrição, se chama de calorias vazias, referindo-se a alimentos de muito baixo valor nutricional que, além de fornecerem energia, contribuem com zero nutrientes (vitaminas, minerais, antioxidantes, fibras…).
A partir de quanto passa a ser muito açúcar?
Estima-se que o consumo de açúcar tenha triplicado nos últimos 50 anos, sendo uma preocupação dos países desenvolvidos como os Estados Unidos da América (EUA), mas também (e muito) da Europa, onde o consumo é classificado como elevado, especialmente em crianças, apontando para os alimentos doces e as bebidas açucaradas como as maiores fontes de ingestão de açúcar.
Em 2015, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou a redução da ingestão de açúcares adicionados para menos de 10% do total de calorias ingeridas ao longo dia, ressalvando, ainda, que uma redução para 5% seria ideal, tendo benefícios adicionais na saúde. Estes 5% correspondem, pois, a cerca de 24g de açúcar/dia, o equivalente a cinco colheres de chá de açúcar de mesa, com cerca de 100 kcal. Para se ter uma ideia de como nos econtramos longe desta meta, refira-se que o consumo médio individual de açúcar nos EUA é de cerca de 125g/dia, sendo que em Portugal se estima ser de 87g/dia, em linha com a média europeia, mas, ainda assim, mais do triplo do recomendado pela Organização Mundial de Saúde.
Como fugir do açúcar
A dificuldade em fugir deste ingrediente, não ultrapassando as cinco colheres recomendadas pela OMS, é maior do que parece, pois no super-mercado moderno o açúcar adicionado esconde-se nos alimentos mais insuspeitos e, pior, não o conseguimos medir às colheres. Estima-se que esteja presente em 74% dos alimentos processados disponíveis no super-mercado, incluindo alimentos rotulados como “saudáveis”, razão pela qual é comummente chamado de açúcar “escondido”.
Não considerando as fontes naturais de hidratos de carbono como os cereais, legumes, fruta fresca e lácteos naturais, vamos encontrar açúcar adicionado em alimentos óbvios, como bebidas açúcaradas (refrigerantes, sumos, sumos de fruta natural, leites achocolatados), iogurtes não naturais, tabletes de chocolate, bolachas, biscoitos, sobremesas e bolos de pastelaria, e em alimentos menos óbvios, como os cereais de pequeno-almoço, iogurtes ligeiros e 0% de gordura, pão, sopas e em inúmeros alimentos processados. Resultado: consumimos muito açúcar adicionado sem perceber.
Assim, só resta uma solução para fugir do açúcar: além de eliminarmos a adição que é feita directamente às bebidas ou aos alimentos caseiro e além de optarmos, sempre que possível, por alimentos não processados, há que ler os rótulos dos alimentos processados. Mas, como se não bastasse, a tarefa de ler os rótulos não é fácil, uma vez que a informação nutricional (ainda) refere apenas os açúcares totais, não diferenciando entre os naturais e os adicionados. Terá, assim, de procurar na lista de ingredientes por aqueles que, disfarçadamente, significam açúcar, tais como: açúcar, sacarose, açúcar mascavado, xarope de-, geleia de-, agave, concentrado de sumo de fruta, mel, açúcar invertido, açúcar de malte, melaço, sumo de cana evaporado, ingredientes terminados em -ose, como dextrose, frutose, glucose, lactose, maltose ou sacarose, ou terminados em –itol, como maltitol ou xilitol.
Em suma, o açúcar, que quando consumido esporadicamente não prejudica o organismo, acabou por se tornar num dos principais inimigos da saúde dos dias de hoje, em consequência do seu consumo excessivo, voluntário e involuntário. Este ingrediente aparenta ser tão nefasto que até a palavra “moderação”, tão popular na área da nutrição, não se aplica neste caso por, ainda assim, poder ser sinónimo de excesso.
Fica o alerta para esta questão de saúde pública e, ainda, a promessa de explorar as alternativas alimentares saudáveis ao açúcar (substitutos) num futuro artigo.