1. Abril de Abril. Um Abril de cravo, Abril de mão na mão e sem fantasmas, esse Abril em que Abril floriu nas armas. O Abril de Manuel Alegre e da alegria de todos nós, já lá vão mais de quatro décadas. O Abril dos cravos nas espingardas. O Abril dos braços e dos abraços, o Abril dos beijos pelo ar, à procura dos lábios para adormecer. O Abril da liberdade de pensar e de agir. A liberdade de ir e vir, para longe ou para perto, sem esbirros a controlar, sem censura para apagar o pensamento, sem a polícia a barrar as fronteiras dos desejos e das ambições. Ou apenas das intenções.
O Abril como dia inicial inteiro e limpo, de que falava Sophia. O dia original em que tudo (re)começou e nada mais foi como dantes. Para o bem ou para o mal, mais para aquele do que para este, felizmente.
O dia em que a liberdade se fez grito e revolta e vermelho, do sangue e dos corações, para pousar nos cravos e na alegria de um, de dois, de dez, de cem, de mil, de milhões.
Abril de um povo à espera de o ser de novo. Abril de Abril, de paz, de sonho, de utopia. Abril de um dia, ou de eternidade. Abril de democracia e de devolução ao povo da sua cidadania activa, da restituição da sua soberania através do voto, o centro de um tempo novo.
2. Abril de Abril. Abril da primavera, do regresso do cuco, o esplendor do cantar das rolas por sobre as árvores em flor, o despontar do intenso perfume das laranjeiras, o vigor dos gladíolos de encontro ao encanto extasiado o olhar.
Primavera que em cada ano se renova, e regressa com a cadência dos dias, que em Abril amadurecem em tardes mais longas, mais brilhantes, mais mergulhadas no azul.
É deste Abril que eu gosto, longo, doirado, sem horizontes, bem na ânsia de todas as asas que sulcam as planícies do sonho.
3. É em Abril que recolhemos a sabedoria no regaço dos livros, onde crescem universos de fantasia ou de realidade. Terreno de ideias e imagens em que crescemos, florescemos e nos tornamos homens cada vez mais próximos da simpatia dos deuses e dos arcanjos, que amam sobretudo o conhecimento da palavra inicial, seja ela terra, água, rio ou cristal. Ou apenas um balbuciar da língua à revelia do eterno segredo.
4. Abril de Abril. Abril de mim, de ti. Abril de nós. Abril individual e colectivo. Abril de um povo, de uma pátria, de uma nação. Abril de quem lutou e de quem não era ainda nascido. Abril de quem pegou em armas e de quem rezou pelo amanhã. Abril que não é propriedade de ninguém, sendo usufruto inalienável de todos. Abril de quem sobe e de quem desce. De quem se veste ou de quem se despe. De quem usa marcas ou compra na feira semanal.
Abril de quem escreve e de quem lê. De quem canta e de quem ouve. De quem toca e de quem dança.
Voltando a Manuel Alegre, o poeta da portugalidade:
Abril a rodos, Abril de sol que nasce para todos.