Sabia que não era caso de morte. Mas o sofrimento, todo o desarranjo orgânico, a mente a ceder ao peso do mal-estar, e eu, naturalmente a caminho do hospital.
A sala de espera de urgência relativamente cheia, uma cadeira onde me sentei, sem posição para estar. Aguardar. Cada minuto decompunha-se em horas e passar o tempo assim é como fazer uma viagem ao inferno. Pensei, para meu alívio, que havia quem estivesse pior. Muito pior.
Alguns doentes saíam, aviados, de papel na mão. Outros entravam. Os mais velhotes jaziam assim, sentados, sábios no acto de esperar. Alguns mais novos, cheios de energia, de forma que não lhes conseguia adivinhar qualquer tipo de maleita. Os telemóveis em acção, mesmo em doentes em quem se percebia o estado febril; ouvia-se o som dos jogos, ou outro tipo de actividades, talvez Facebook. Sei lá. Isso não me interessava. Entrou uma mulher na casa dos trinta anos, mini-saia a destacar-se num corpo, todo ele brindado por curvas, bem vestidas, e trazia na pose o ar de mulher ardente. Fez inscrição. Mesmo na condição de quase-morto, deitei-lhe os olhos, e a minha imaginação não ia mais além da razão que me levava ali. Ainda assim, perguntava-me qual seria a maleita que a levava à urgência. Mas que tinha eu a ver com isso? Nada. Absolutamente nada.
Alguns miúdos faziam um barulho desconfortável, e uma mulher que brincava com eles, bem-disposta, deixou-me ainda mais confuso. O que traz estas pessoas à urgência?
Chamaram-me. O médico rapidamente fez o diagnóstico, que eu já conhecia, e sabia que teria de ser tratado com medicação na “veia”. Chegando o enfermeiro, não pude evitar o conforto e o sorriso por se tratar de um amigo de escola que não via havia muitos anos. Alguma conversa de circunstância, e fez-me sentar numa cadeira confortável numa sala. Enquanto introduzia a agulha na minha artéria, e injectava Buscopan no soro, conversávamos um pouco. Logo de seguida entra a mulher que brincava com os miúdos. O meu amigo sentou-a noutro canto, perto de mim e furou-lhe a artéria e lhe colocou o soro. Eu recostei-me na cadeira. Sabia que teria de esperar. Silêncio. Mas logo a mulher quis conversar e veio à baila o tempo quente. Por educação, fui grunhindo algumas palavras, quando, na realidade eu queria dizer-lhe que se calasse.
O meu ritmo cardíaco aumentou bastante. Pedi ao meu amigo enfermeiro que verificasse o motivo disso estar a acontecer, pois que anos antes e por situação semelhante estive a “bater a bota” com uma inusitada aceleração rápida do coração. Apaziguador e atento, diminuiu o gotejar da medicação que me invadia a circulação sanguínea. A mulher continuava a falar. Logo entrou outra, com falta de ar. Noutro canto, ficou assim com uma máscara no rosto de onde os vapores lhe acalmavam gradualmente a respiração difícil e acompanhada de tosse brava. Pouco depois, a mulher que falava muito adormeceu.
Eu estava um pouco melhor.
Tudo isto para dizer que retive a imagem de uma sala pequena onde três ou quatro pacientes partilham conversas como se nada se passasse, deixando que a vida pareça sempre normal, e que tudo há de passar.
E passou. É a vida!