Hoje levo-vos até ao mercado do Bandim.
Para quem não conhece Bissau, estou a falar do maior centro comercial a céu aberto do país, onde se vende de tudo. Literalmente de tudo. São vias e vielas que bordam a estrada que liga o centro da cidade ao aeroporto, com uma lógica bem conhecida por quem ali mora e faz as compras. Há uma zona do peixe; uma zona da carne, onde esta chega em peças inteiras carregadas em carrinhos de mão invejadas pelos cães que as seguem em cortejo; a zona da fruta e dos legumes que começam o dia vivaços e a meio da manhã já tombam com o calor; a zona dos mariscos,das electrónicas, dos tecidos, das roupas, do calçado, das drogarias, do leite em pó vendido a par com o ovos, dos medicamentos naturais e muitos msis ainda falsificados, dos materiais de construção e, dentro de cada um destes setores, pequenas verdadeiras mercearias onde encontra um pouco de tudo. Há também a secção que ocupa o espaço à beira da estrada sem as necessárias licenças e onde vendem roupa e calçado em segunda mão, num ambiente muito animado e que por vezes culmina numa fuga atabalhoada aos fiscais da câmara de Bissau que aparecem com o cadernito das multas numa mão e uma verdasca na outra para “punir” os prevaricadores.
No Bandim o dia começa bem cedo, ainda o sol está por nascer e as mulheres chegam com alguidares à cabeça carregados com o que lhes vai garantir o sustento do dia.
Aqui há regras próprias. Um por todos e todos por um, numa espécie de corporativismo de classe do mercado. Respeitam-se como se seguissem à risca um código de conduta que desconhecemos e, quando um é perturbado, é todo um mercado que se sente ameaçado. Comprovei-o no dia em que assisti a um quase linchamento de um jovem que roubou uns legumes numa banca, por parte dos comerciantes. Se dois ou três pediam calma até chegar a polícia , logo dez se atiravam ao rapaz. Tentei chamar à razão os que estavam mais perto de mim mas sem qualquer sucesso. Disseram-me com cara severa “aqui ninguém pode roubar. É uma vergonha e isto é para servir de lição para não voltar a roubar”. Pois é, eu sei, mas a polícia lá trataria de o punir, retorqui sem sucesso…
Neste mercado também se fazem camas, pode comprar colchões, sofás ou os móveis para equipar a casa, tudo feito ali à vista, por mãos que trabalham a madeira bem melhor do que eu moldo a plasticina.
E o pão que se vende na Chapa, a saturada rotunda à entrada de Bissau? Não quero imaginar as partículas de poluição que se colaram ao “pão cuduro” antes de eu o saborear, mas que me sabe pela vida, lá isso sabe. Ou em que condições foi feito, mas adiante. Quando o saboreio lembro-me frequentemente de um episódio que vivi há uns anos com uma amiga na prisão da Policia Judiciária, que fica ali em pleno mercado. Numa visita à cela, uma divisão única para os trinta que ali estavam detidos sem água há dois dias com as latrinas a despejarem dejectos para os colchões que se encontravam paredes meia sem qualquer porta ou divisória!, os presos falaram-nos das evidentes condições degradantes em que viviam mas também da fome que tinham. Saímos dali impressionadas e fomos comprar pão para lhes dar. Comprámos todos os que encontrámos naquele final de dia em que muitos vendedores já regressavam a casa e levámo-los num daqueles sacos de farinha de 50kg para entregar ao guarda prisional. Este, quando viu o pão, disse-nos em tom crítico “tssss, pão de máquina, senhoras? Eles gostam é de cuduro!”. Ali a falta de alternativa e a fome sentida não davam margem para este tipo de considerações, mas como eu entendi aquela reação.
Nos últimos anos o Bandim tem vindo a ver nascer diversas lojas chinesas onde se encontra de tudo o que procura, desde o mais “kitch” em termos de decoração até à mota de três rodas com carroçaria para transportes de pequenas dimensões.
Gosto de lá ir. Já me oriento oriento pelas ruelas que em 2008 visitei a medo na companhia de uma senhora da terra, já sei onde ir, como comprar e regatear.
Sai-se dali com a sensação de que não há mesmo nada que o Bandim não tenha. Até a bateria do meu carro ou um plasma já lá comprei para oferecer. Não conhecia a marca ou a loja mas este último pareceu-me bom. Depois de acertarmos o preço (esqueci-me de referir que ali tudo é negociável e negociado) e ao pagar perguntei qual a garantia do produto. O vendedor olhou para mim estupefacto e respondeu com ar condescendente, “como é simpática, tem 24 horas de garantia”. E com esta resposta vim embora com a sensação que o Bandim é mesmo um mundo à parte e que ainda está tudo por fazer em termos de protecção do consumidor na Guiné-Bissau. Mas isso fica para uma outra crónica.