A violência doméstica é um comportamento gerado e mantido no quadro de relações interpessoais que, na maior parte das vezes, não podem (entre pais e filhos) ou não querem (entre casais) ser finalizadas mas que infligem danos mais ou menos profundos e mais ou menos imediatos, por ser silenciado e as vítimas vivenciam o medo e a dor de forma solitária, pelo que constitui uma problemática que solicita a intervenção de saberes e profissionais diversos, desde as forças de segurança ao sistema judicial, passando pelas áreas da saúde, da educação e do apoio psicológico e social.
Para se falar de violência doméstica, deve-se distinguir entre a violência física e a violência psicológica.
A violência física, é qualquer comportamento que ofenda integridade física da vítima.
A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade psíquica da vítima, isto é, que seja nocivo para o bem estar emocional, que diminua a autoestima ou que lhe prejudique/controle as ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação pessoal, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, qualquer comportamento que visa intimidar ou atemorizar o outro, injúrias, chantagem, ridicularização, entre outros. A violência psicológica é a mais frequente, menos percetível pela própria vitima, e daí o silêncio mais prolongado da vitima.
A violência doméstica não é um acontecimento único, mas sim uma prática reiterada, é um processo cíclico e sucessivo. Diversos autores defendem a existência de 4 fases do chamado Ciclo da Violência Doméstica:
1 – Fase de Aumento de Tensão – É o período em que a violência não se manifesta de maneira direta, mas, através da linguagem não-verbal, tais como, gestos e movimentos agressivos e pelas mudanças nos tons de voz, bem como poe ameaças e injúrias que provocam na vitima a perceção de perigo iminente, sendo que a vitima esforça-se para evitar o ato violento, mas sempre debaixo de uma grande ansiedade.
2 – Fase de Agressão – Nesta fase, o(a) agressor(a) maltrata física e psicologicamente a vítima, sendo que na maior parte das vezes, a vítima não reage visto que a fase de tensão já preparou o cenário para que ela não se defenda, pelo que esta violência tende a escalar quer em intensidade, quer em frequência.
3 – Fase de Desculpabilização – Esta é a fase em que o(a) agressor (a) tenta justificar/minimizar os efeitos dos atos de violência do seu comportamento através de motivos externos, (por ex. problema no trabalho), sendo recorrente culpabilizarem a vitima pelos mesmos, e esta própria acredita-se na sua culpa, e levam a vitima a acreditar nas desculpas externas, arrependimentos, juras de amor e promessas de mudança, e a esquecer a fúria.
4 – Fase de “Lua de Mel” (Reconciliação) – O (a) agressor (a) para solidificar a fase anterior, oferece à vítima atenção, cooperação, carinho e, em muitos casos, presenteia a vítima, desculpando-se pelas agressões e prometendo que não voltará a exercer violência. A vitima acredita, porque emocionalmente quer acreditar, e recupera a esperança.
Esta fase tem 2 finalidades da parte do agressor, o não ser abandonado pela vitima, e a não denúncia da vitima às autoridades, bem como o de esconder de terceiros.
A tolerância deste comportamento do(a) agressor(a) prende-se com o medo da vítima de perder o(a) companheiro(a), sendo que no grosso dos casos, a autoestima da vitima já está tao diminuída, que sente não servir para mais ninguém.
Mas como referido atrás, estamos perante um ciclo, pelo que a violência será reiniciada a qualquer momento, havendo tendencialmente um aumento da fase de agressão e diminuição das outras. Em algumas situações, este ciclo só termina com a morte da vítima.
Perante um caso de violência doméstica a resposta das autoridades policiais é a mais relevante para o controlo imediato do comportamento violento e se a resposta judicial é fundamental para a clarificação da valoração criminal de tal comportamento, a avaliação médico-legal e o apoio psicológico e social são, numa primeira etapa, respostas indispensáveis à confirmação da agressão e do dano, particularmente quando a agressão é física e/ou sexual, e à disponibilização de apoio e controlo social quando o mesmo não pode ser assegurado pela família e/ou outros elementos da rede primária ou quando esta não está suficientemente ativada para que essa resposta possa surgir.
Numa segunda etapa, é assegurada a segurança da vítima quando o perigo é real, a avaliação psicológica e a intervenção terapêutica são respostas necessárias à melhor compreensão da situação, nomeadamente da própria interação violenta (tipo de violência, desencadeadores, fatores de manutenção), do dano e do potencial de mudança. Com efeito, só dessa forma é possível definir com clareza e adequação a subsequente intervenção social e psicoterapêutica junto da/s vítima/s e do/s agressor/es. O próprio sistema judicial necessita dessa avaliação para ponderar medidas a aplicar.
Sendo um dos objetivos do apoio à vítima de crime a minimização dos efeitos da vitimização secundária (quando a vítima experiencia nova vitimização a partir das respostas que obtém por parte daqueles a quem recorreu para a ajudarem, e que, opostamente ao esperado, duvidam da história que a vítima lhes conta, desvalorizam os factos ocorridos e o comportamento do agressor ou dizem à vítima que o melhor é procurar esquecer), bem como, minimizar as consequências psicológicas e comportamentais que advêm da violência doméstica, tais como Alcoolismo; Consumo de drogas; Depressão e ansiedade; Distúrbios alimentares e do sono; Sentimentos de vergonha e de culpa; Fobias; Perturbação de pânico; Inatividade física; Baixa autoestima; Perturbação de stress pós-traumático; Perturbações psicossomáticas; Tabagismo; Comportamento suicida e de autoagressão; Comportamento sexual de risco.
São objetivos da intervenção com a vitima, o equilíbrio físico e emocional, promover as aptidões pessoais, profissionais e sociais de forma a fomentar a mudança e, assim a vítima se torne progressivamente, mais apta a definir e prosseguir o seu projeto de vida.
O agressor, para além de ter de cumprir a medida aplicada pelo Tribunal, tem de ser submetido a tratamento que visa a intervenção nos impulsos agressivos, através de grupos terapêuticos, acompanhamento individual, psicoeducação, dinâmicas de grupos, de forma a ressocializar o agressor, incentivando-o, e educando-o a uma outra postura para com a vítima, traduzida na assunção, em continuidade, de uma atitude de consideração e respeito pela mesma. O objetivo de intervenção sobre o agressor, é de o controlar, reprimindo os seus instintos agressivos.
Relativamente aos profissionais que intervém no processo, o conhecimento de que alguém é vítima de violência doméstica desperta, habitualmente, respostas emocionais negativas, mais ou menos intensas, que nem sempre ajudam a compreender a situação, particularmente quando a violência é ocultada ou desvalorizada pelas próprias vítimas e/ou agressores. A ressonância que o conhecimento destas situações tem no profissional é inevitável: ele não pode deixar de sentir e, habitualmente, sente necessidade de proteger a vítima, procurando equacionar, muito rapidamente, a resposta que, em sua opinião melhor protege a vítima e faz cessar a interação violenta. A violência íntima entre parceiros é, a este nível, paradigmática: a maior parte dos profissionais, sobretudo quando são mais novos e não têm experiência de trabalho com esta problemática, considera que a resposta mais adequada é a separação/ divórcio da díade, acompanhada de apoio psicológico à vítima para superação de eventuais danos e empoderamento da mesma no sentido de a ajudar a ultrapassar a crise e prosseguir a sua vida; no entanto, são muitas as vezes em que a vítima não quer abandonar o/a companheiro/a, embora peça ajuda para alterar um quotidiano que ameaça o seu bem estar, ou o dos seus filhos, e que, por isso, já não pode ser mais tolerado.
Não podendo eliminar as suas próprias emoções e sentimentos, valores e crenças, o profissional tem, contudo, que: i) criar as condições necessárias para que a avaliação da situação possa ser adequada e completa, consubstanciando-se a sua neutralidade na garantia de que toda a informação tem as mesmas condições de ser revelada e ponderada; ii) garantida a segurança da/s vítima/s, equacionar com a/s mesma/s e com o seu microssistema as respostas que melhor promovem a mudança, no respeito pela sua visão preferida de vida, desenvolvimento e identidade.
Se os profissionais conhecerem quem, no terreno, está (ou pode estar) a trabalhar com aquelas pessoas (vítima, agressor e família) e que tipo de apoio cada um pode prestar, sabem não só como gerir todo o processo de encaminhamento mas percebem, também, com quem podem debater as suas dúvidas e comparar a sua visão acerca do problema e das eventuais possibilidades de mudança.
A falta de experiência e a escassez de conhecimentos técnicos relativamente à complexa problemática da violência doméstica, leva à necessidade de formação dos técnicos que intervém com as vitimais e os agressores de violência domestica, pelo que será necessária formação: para o adequado atendimento de mulheres/homens vítimas de violência doméstica, e para o atendimento de agressores.
O trabalho em rede, com base na articulação e interdisciplinaridade, envolvendo aqueles que investigam (justiça), aqueles que avaliam e intervêm (saúde) e aqueles que protegem (social), permite que nada seja estanque, que tudo se interpenetre e que todos, cada um no seu campo, de forma articulada, prossigam um único objetivo: proteger os frágeis e desprotegidos, punir os agressores e contribuir para que os objetivos de proteção das vítimas e ressocialização dos agressores/ arguidos possam ser atingidos.
A vítima e o(a) agressor(a) têm de ter consciência que este não muda sozinho um comportamento que é, de certa forma, reforçado pela vítima ao acreditar que tudo vai melhorar e que o comportamento vai mudar… não vai!
Violência doméstica é atualmente considerado um crime público, ou seja, é um crime cujo procedimento basta a sua notícia pelas autoridades judiciárias ou policiais, ou a denúncia facultativa por parte de qualquer pessoa, sendo que desistência de queixa não está autorizada, isto é, o processo corre mesmo contra a vontade do titular dos interesses ofendidos. Este crime está previsto no art. 152º do Código Penal Português:
Artigo 152.º
Violência doméstica
1 – Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
- d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 – No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 – Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 – Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 – A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 – Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.