Há dias que me apetece hibernar, ou primaverar (embora ache que a primavera também ande com vontades estranhas), hoje foi um desses dias.
Fui trabalhar com pouco ânimo e troquei a emissão da rádio online, do costume, por uma lista de músicas do youtube.
Na semana passada descobri o tema “Scars” do James Bay, e estou naquela fase do vício (não sei se vocês têm destas manias, mas eu sou estranha).
Ouvi a música e algumas que se seguiram e, entretanto, entrou uma senhora no espaço.
Primeiro pediu que a ajudasse a escolher umas coisas para a neta, e entre um sorriso e uma, ou outra, palavra, deu-se início a uma longa conversa.
Não sabia o nome da senhora, mas soube que tinha uma prótese no joelho e até me mostrou a cicatriz. Soube também que o marido já tinha resistido a quatro tromboses e até tive o prazer de o conhecer (isto das mulheres demorarem nas compras faz com que alguns homens se queiram certificar que elas não fugiram para algum outro planeta ).
Continuei sem saber o nome da senhora, mas soube o das filhas e da neta – e vi olhos a brilharem e os lábios mudarem a curva do sorriso para a da tristeza, e vice-versa, mais que uma vez.
A certa altura disse-me:
– “Não dê tudo aos seus filhos, menina. Eu sempre dei tudo às minhas filhas. Há dias em que mal lhes ponho a vista em cima.”
Continuava sem saber o nome da senhora, mas soube que tinha saudades das filhas, que moravam ao lado. Soube do emprego que tinha, do do marido, das filhas. E soube mais um pouquinho da vida dela.
Como o tempo não espera, a senhora lá se despediu de mim:
– “Muito obrigada, menina, por ouvir-me”!
Tinha nos olhos lágrimas e na boca a curva de um sorriso.
As pessoas andam distraídas das pessoas, tanto que não se permitem esbarrar nelas e ouvi-las.
Fiquei sem saber o nome da senhora.
Mas soube parte da história do seu coração.
