Desta vez vamos até ao Peru, na América do Sul, indo ao encontro de uma descoberta que certamente ficará para a história.
Perto de 120 crianças e 200 jovens lamas foram descobertos naquilo que aparenta ter sido um ritual de sacrifício em massa que terá ocorrido há 550 anos, numa zona que à época era dominada pela Civilização Chimú.

A Civilização Chimú, apesar de ser menos conhecida, foi a 2ª maior do império pré-colombiano, superado apenas pelo Império Inca, com um território que se estendia por quase mil quilómetros ao longo da costa do Pacifico desde a fronteira do Peru com o Equador até à capital peruana Lima. A sua organização política e cultural iniciou-se no vale do Rio Moche onde hoje em dia se encontra a cidade Património da Humanidade e Sítio Arqueológico Chan Chan, capital e centro administrativo do império.
Os Chimús destacam-se pela sua arquitectura e organização urbanística, ficando em pé de igualdade com os Incas em termos de construções monumentais, sendo os maiores exemplos: a cidade de Chan Chan, a muralha Chimú e a fortaleza de Paramonga.
Destacam-se também os seus conhecimentos em sistemas hidráulicos, aproveitado a águas dos rios e subsolo para a agricultura, a sua significativa produção de cerâmica e o domínio da metalurgia. Na base da sua economia encontrava-se a pesca e a agricultura. Em 1470, poucas décadas depois do sacrífico em massa, o Império Chimú cai perante o poderio Inca.

Huanchaquito-Las Llamas (denominado de Las Llamas pelos investigadores) encontra-se a poucos metros do mar e sobre a sombra do Sítio Arqueológico Chan Chan. As escavações do sítio começaram em 2011, quando o Arqueólogo Gabriel Prieto foi alertado pela população para o aparecimento de ossadas perto das dunas da praia. Na época foram descobertos 42 crianças e 72 lamas.
As investigações do local continuaram e envolveram uma equipa multidisciplinar, liderada por Gabriel Prieto, da Universidade Nacional de Trujillo e por John Verano, da Universidade de Tulane e foram suportadas pela ONG Nacional Geographic Society. As escavações foram concluídas em 2016 e os números foram retificados, passando para 140 crianças e 200 lamas que através da datação por radiocarbono de tecidos e cordas localizam temporalmente o ritual entre 1400 e 1450.
Muitas das crianças apresentavam os rostos manchados de um pigmento vermelho, e tanto os esqueletos infantis, com idades compreendidas entre os 5 e os 14 anos (sendo que a maioria encontrava-se entre os 8 e 12 anos) e as lamas que não passavam dos 18 meses de idade, mostram cortes no esterno e deslocamento de costelas o que sugere que os peitos das vítimas foram abertos, provavelmente para a remoção do coração.

A análise dos restos mortais de Las Llamas mostra que crianças e lamas foram mortas com cortes transversais consistentes e eficientes no esterno. A falta de cortes hesitantes, “falsa partida”, indica que eles foram feitos por uma ou mais mãos experientes. Quando enterradas, as crianças foram colocadas de maneira a ficarem a olhar para Oeste, para o mar e as lamas colocadas de maneira a ficarem a olhar para Leste, para os Andes. Não foi possível determinar o sexo das ossadas das crianças por estas serem de tão tenra idade, mas os investigadores acreditam que tanto rapazes como raparigas foram sacrificados. Análises isotópicas indicam que eles não eram todos provenientes da mesma localidade, e provavelmente vieram de diferentes grupos étnicos e regiões do Império.
Também foi descoberto perto do local de enterramento das crianças e animais os restos mortais de um homem e duas mulheres que apresentam sinais de traumatismos na cabeça. A forma violenta como morreram, aliado ao facto de não terem consigo bens funerários, leva os investigadores a suspeitar que eles de algum modo estiveram envolvidos no ritual e no fim deste foram “descartados”.
Para os investigadores, todas as crianças e lamas foram mortas num único evento. Foram encontradas numa camada estratigráfica de lama seca encontrada no local do sacrifício tem preservadas pegadas de sandálias de adultos, cães, crianças descalças e jovens lamas. Verano aponta outras evidências como: a concentração dos corpos na mesma camada estratigráfica de lama e a datação por radiocarbono, que é a mesma para todos os corpos.
O sacrifício humano tem sido praticado em quase todos os cantos do mundo em vários momentos e civilizações. Os cientistas acreditam que a prática destes rituais pode ter desempenhado um papel importante no desenvolvimento de sociedades complexas através da estratificação social e no controlo das populações. Em muitos casos estes rituais tinham como objectivo agradecer ou serenar os deuses. Tinham motivos sociais, económicos e ambientais.
O que diferencia este caso de outros é obviamente, a quantidade e a maneira sistemática em que foi realizado o ritual, mas também o envolvimento de crianças. Estudiosos apontam que normalmente os sacríficos eram realizados em adultos, o que os leva a pensar que os chimus podem ter-se voltado para o sacrifício de crianças quando o sacrifício de adultos não foi suficiente para afastar a ira dos deuses.
Mas o que terá levado este povo a realizar este pagamento tão caro aos deuses?
A camada estratigráfica de lama encontrada durante as escavações pode fornecer uma pista. Os investigadores sugerem que esta camada é o resultado de chuvas fortes e inundações no litoral, que é geralmente árido, e provavelmente está associado a um evento climático relacionado ao fenómeno El Niño que terá assolado a zona pela mesma altura do sacrifício.
As altas temperaturas que se fazem sentir no mar, que são características de fenómenos como o El Niño, teriam atrapalhado a pesca marítima na área, enquanto as inundações costeiras poderiam ter sobrecarregado as infra-estruturas e canais agrícolas levando à perda das colheitas.
Se a conclusão dos arqueólogos estiver correta: Huanchaquito-Las Llamas pode ser uma prova científica do maior evento de sacrifício infantil em massa conhecido na história do mundo.
“Las Llamas já é um sítio único no mundo, e faz-te perguntar quantos outros sítios como este poderão existir na área para futuras investigações” diz Prieto.
Por agora a investigação continua no trabalho minucioso de desvendar a história de vida das vítimas através de mais análises aos seus restos mortais. Provavelmente ainda terão muito para contar.