Tributo a um Homem bom, um político com dimensão ética e sentido do bem comum
“O mais “belo poema”, dos 44 anos da democracia portuguesa. Uma “história” verdadeiramente inspiradora, de como a coragem e determinação de um ministro, num país sob assistência financeira do FMI, conseguiu mudar o destino a milhões de portugueses sem acesso a cuidados de saúde”
António Arnaut, ex. Ministro dos Assuntos Sociais, considerado muito justamente o “Pai do Serviço Nacional de Saúde”, implementado no II Governo Constitucional liderado por Mário Soares, partiu aos 82 anos. Até ao fim da sua vida, foi sempre um militante irreverente e inconformado do Partido Socialista, alertando sempre, para a privatização dos Serviços de saúde e os interesses por detrás de alterações à lei, que diminuíam e descaracterizavam o direito à Saúde por parte dos portugueses, principalmente os mais pobres. É sem dúvida, uma das figuras mais fascinantes do século XX Português, que agia em função dos valores em que acreditava: igualdade, solidariedade e no acesso universal e gratuito à Saúde .
OS MEUS HERÓIS
Por António Arnaut
“Prezo os símbolos, o rasto e os sinais
da minha nostalgia portuguesa.
Mas os meus heróis verdadeiros não vêm na história;
não têm monumentos nas praças domingueiras
nem dias feriados a lembrar-lhes o nome.
São heróis dos dias úteis da semana:
levantam-se antes do sol e recolhem apenas
quando a noite se fecha nos seus olhos.
Lavram a terra, o mar, e são jograis
colhendo a virgindade púdica da vida.
Sobem aos andaimes, descem às minas
e comem entre dois apitos convulsivos
um caldo de lágrimas antigas.
São os construtores do meu país, à espera!
Mouros no trabalho e cristãos na esperança;
famintos do futuro, como se a madrugada
fosse seara imensa apetecida
onde o sol desponta nas espigas
Sobre o casto silêncio da montanha”
O mais “belo poema”, dos 44 anos da democracia portuguesa. Uma “história” verdadeiramente inspiradora, de como a coragem e determinação de um ministro, num país sob assistência financeira do FMI, conseguiu mudar o destino a milhões de portugueses sem acesso a cuidados de saúde.
Se ainda há políticos com “coluna vertebral, dimensão ética e consciência do bem comum como António Arnaut num país e num planeta dominado por números e “folhas de excel”? Seguramente que existem. Contam-se é pelos dedos das mãos.
“20 de julho de 1978. António Arnaut está sozinho no seu gabinete, na Avenida Defensores de Chaves, em Lisboa. Percebera há muito que o seu lugar como ministro dos Assuntos Sociais estava por um fio. O acordo com o FMI, assinado meses antes, só viera precipitar as tensões entre socialistas e democratas-cristãos, que sustentavam o executivo de Mário Soares no Parlamento. Dali a semanas, talvez dias, o II Governo Constitucional cairia inevitavelmente, acreditava Arnaut. Decidiu agir: sem avisar os restantes ministros, sem avisar sequer o primeiro-ministro em funções, assinou naquela mesma tarde o despacho que ficaria conhecido como “Despacho Arnaut”. Tinha uma única certeza: garantindo por lei o acesso universal e gratuito aos serviços de saúde, deixariam de existir condições políticas e sociais para recuar. Nascia assim o Serviço Nacional de Saúde.
“Foi uma decisão monumental. Apanhei-me ministro sem querer, tinha a caneta na mão e escrevi aquele despacho. Os escritores escrevem livros, os ministros escrevem no Diário da República. Assinei-o e fui para casa. Quando foi publicado e a malta começou a acorrer aos hospitais, deixou de haver hipótese de recuo”, recuperam os jornalistas Luís Godinho e Ana Luísa Delgado na obra António Arnaut – Biografia.
“A criação do Serviço Nacional de Saúde foi o meu melhor poema”
António Arnaut in “Público” – 2004
“Hoje não interessa saber quem votou contra a criação do Serviço Nacional de Saúde. Hoje, o mais importante, o que verdadeiramente interessa é o facto de que todos os partidos com assento parlamentar, da direita à esquerda são a favor do Serviço Nacional de Saúde. Porque o progresso que fizemos em quase quarenta anos de SNS foi imenso, no aumento de 10 anos na esperança de vida, na prevenção, tratamento e combate às doenças como a mortalidade infantil, que era um grave problema no final dos anos 70, tendo reduzido drasticamente de 38 por mil, para 3 por mil. O SNS foi uma enorme conquista para todos os portugueses e em particular para aqueles que não tinham posses e que por isso não tinham acesso à saúde. Foi a nossa grande conquista, foi a maior conquista do 25 de Abril”