Acordei ensonado, sentei-me na cama tacteando, no escuro, a mesa de cabeceira, procurando o comando da janela que todos os dias nos abre a porta para a vida que já segue, acordada e frenética, lá fora.
A luz espalhou-se, enfraquecendo o breu do quarto e as cores formaram imagens perante os meus olhos que, aos poucos, afinavam a nitidez das projecções disformes.
O noticiário seguia dinâmico.
Um homem matou a mulher. A lâmina do ciúme rasgou para sempre a dor daquela mártir, rainha dos maus tratos, que foi respirando, devagar, definhando até o pulmão, perfurado, se esvaziar de uma só vez. Foi por amor, disseram.
Um acidente violento ceifou a vida a um jovem que, apressado na estrada da juventude, pecou pela fúria de viver, ficando-se, a meio, pela pressa de chegar, transformando o seu futuro numa história que ficará, eternamente, por contar.
Do outro lado do planeta, um jovem distribuiu o ódio que sentia, dentro de cada uma das balas que ofereceu, inesperadamente, a colegas e docentes.
Foi ele a principal vítima de uma sociedade que está, a cada dia, mais doente.
E naquele país distante, tão longe da nossa porta, tudo na mesma. A guerra continua, a morte de inocentes continua, o regime continua, a falta de futuro continua, a destruição continua, o olhar de crianças sujas, tristes e esfomeadas, continua.
E nada se diz, nada se faz. Ninguém luta para que a dor daquele povo diminua.
De olhos marejados, apaguei a televisão e comecei a tratar das rotinas matinais que me permitem sair limpo para a vida suja e hipócrita que, a todos, nos espera.
Hoje acordei dentro da gota de uma lágrima salgada. Há quem lhe chame mundo.