Passaram esta semana vinte anos sobre o inicio da guerra civil na Guiné-Bissau. Conheço o que descreve a história e o que encontro aqui ou ali escrito por quem relatou na imprensa o conflito.
Mas conheço sobretudo vários que lá estavam naquele primeiro dia de muitos que se vieram a mostrar extremamente sangrentos e que viram a sua vida mudar irremediavelmente para pior.
Na Guiné-Bissau, se bem que nunca se esquece o antes e o depois da descolonização, há para toda a gente um antes e um depois do 7 de Junho de 1998. Desde o meu amigo que perdeu o irmão no Poilão de Brá, o verdadeiro ponto de referência que dita o inicio do conflito, passando pelos que estavam na “praça”, centro da cidade e se viram durante meses afastados dos seus entes queridos que moravam do lado de lá da junta militar e do seu quartel general perto do aeroporto, até às Irmãs que ainda hoje conservam a marca das balas cravadas nos muros da sua casa, toda a gente na Guiné tem uma história para contar sobre “aquele” dia.
Na maioria das vezes com final triste, com familiares e amigos mortos, com meses dramáticos sem se saber dos seus, com casas destruídas, sobretudo com vidas adiadas.
Também conheço gente brava que enfrentou o desconhecido e sobretudo o medo, nunca tendo abandonado Bissau, apesar de se viverem ali dias infernais e de terem tido a hipótese de evacuação nas fragatas enviadas por Portugal para resgatar os muitos portugueses e estrangeiros que lá se encontravam.
Este conflito, que com uma tentativa de golpe de estado opôs o Brigadeiro Assumane Mané ao Presidente da altura, Nino Vieira, causou milhares de mortos e dezenas de milhares de deslocados. Além disso destruiu infraestruturas, o tecido económico e social do país e transformou a Guiné-Bissau num verdadeiro estaleiro cheio de entulho causado pelos tiros e bombas de artilharia pesada.
Passeando por vezes pelos arredores de Bissau encontramos ainda entre o capim as ruínas daquilo que foi um dia parte integrante do motor da economia nacional. E choca constatar que depois dessa destruição massiva de 1998 a população da capital continua à espera de voltar a poder ter acesso a energia de forma regular ou a água potável, que já foram uma realidade nas décadas de 80 e de 90 do século passado.
Nesta guerra não houve vencedores mas houve claramente um derrotado – o próprio país. Abriram-se feridas profundas entre etnias, entre irmãos, entre amigos e companheiros de outrora. A unidade que combateu a colonização não aguentou a exigência da convivência democrática, política e militar na luta pelo bem comum. E os guineenses ainda sentem na pele as consequências desta guerra no seu quotidiano.
Duas décadas passadas, impõe-se uma reflexão aprofundada sobre que futuro a Guiné-Bissau pode e quer dar aos seus cidadãos e que país querem estes deixar para os seus filhos.