Em torno do património, no seu Ano Internacional:
A casa é o meu lugar de amor e de paixão
A terra onde sou feliz, da vida o inteiro coração
A região sagrada onde a família se constrói e enriquece
A casa é a minha identidade do que é e do que aparece
O chão de onde parto e onde cansado me regresso
Nas curvas da vida onde amanheço e anoiteço
Ali está a minha alma tatuada da mais intensa alegria
E é esse o meu inalienável património do dia-a-dia
Quem diz a casa, alarga a vista e abrange a memória
E na ideia que aqui nos une cabem os marcos da História
As igrejas, os palácios, os monumentos, as catedrais
As obras de arte, as esculturas, os livros, que sei eu mais
E as pedras, ah, as pedras fundadoras da antiguidade
Os documentos onde a eterna sabedoria nos invade
Os artefactos, as guitarras, a nobreza popular dos cavaquinhos
As fábricas, os transportes, o ancestral saber dos ninhos
Os autênticos, originais, raros, singulares valores
E as paisagens, a natureza indómita e seus odores
O urbanismo, a arquitectura das cidades e das aldeias
No seu intrínseco emaranhado de formas, volumes e ideias
O património é esta matéria, a vivência colectiva dos bens
Que do passado tocam o nosso olhar e da herança ficam reféns
Mas também a esfera imaterial da língua, das gloriosas tradições
Das práticas sociais, dos ritos e festas, das orais expressões
As romarias que vestem o Minho da mais folgada alegria
E do colorido dos carnavais extravasando a remota folia
O sortilégio da arte de a vitela barrosã entre nós assar
Ou o doce saber fazer do pão-de-ló em talento transformar
As pedras e os homens, o granito avoengo das histórias
As mãos e os frutos de ontem, de hoje, feitos memórias
O voo livre das gaivotas que deambulam pelos ares
As traineiras a acordar a líquida noite dos verdes mares
O fado e o cante alentejano que nenhum limite encerra
Ou o vira urgente e rápido do folclore da nossa terra
O património é esse universo de um homem eterno a crescer
A domar os dias e as noites, o seu caminho a fazer
Solitário ou no calor dos abraços, caminhando, caminhando
Do berço à tumba, ora caindo, sorrindo, ora se levantando
O património é a marca profunda do homem imorredoiro
Sobre a terra, uns dias de chumbo, outros dias de oiro
É a sua alma, a sua história, o seu legado na palma da mão
Longo ou breve, o seu destino, a sua fuga, a sua perdição.
E neste momento, apenas as palavras nos podem salvar
Ditando-nos que o património é para defender, valorizar, perpetuar!