Nos dias seguintes o trânsito na A1 continuava caótico, as pessoas não tinham abandonado as suas conversas banais e apenas na televisão tudo parecia acontecer (repetidamente).
Não era lá fora, era cá dentro!
O céu pisado. Nódoas negras;
Sem manhãs ou tardes,
sempre noite adentro
no lugar de primaveras.
É difícil descrever noites em que não se dorme porque o fogo pode chegar ou porque há aldeias que sabemos que não foram totalmente evacuadas e numa dessas casas estão os nossos familiares à espera que tudo passe depois de bem regados os telhados com água do poço. Não são muito diferentes da aflição que sente quem está longe e segue através das rádios locais o percurso de um caminhante veloz e impiedoso.
O altruísmo que levou muitos ao Interior na esperança de ajudar, levando afecto ou bens a quem perdeu tudo, essa atitude que teve quem se preocupou, fizeram com que um ano terrível revelasse uma extrema solidariedade. Ainda assim parece que o mais importante está por fazer no interior: revitalizar, criando postos de trabalho.
Lisboa,
o meu pinhal é como o teu mar. Sento-me debaixo do sobreiro e não na esplanada da praia. Os meus olhos enquanto não os vi, enquanto não me disseram que cor tinham, não eram castanhos, nem azuis, nem cinzentos. Eram verdes. Da minha infância não lembro o iodo, nem as conchas, pouco me recordo da repetição das ondas no corpo ou do cheiro dos moluscos. Apenas guardo a lavanda, o tomilho, o limão, as serras e os vasos da resina, os números pintados nos sobreiros e as mimosas amarelas.
Lisboa,
quem sobe hoje a Serra de São Macário ainda vê a terra despida, como se se chegasse ao norte de áfrica, e apesar das amoras espreitarem nas silvas, as sombras reduzem-se maioritariamente ao tamanho de pedras. A mistura fraca de urze, carqueja, alfazema e eucalipto serve as abelhas que sobreviveram mas a terra está leve, falta-lhe a caruma e as pinhas.
Lisboa,
dantes havia ondas no alto das copas, folhas que se pareciam com algas quando o vento se esforçava. O meu pinhal era tão parecido com o teu mar.
Lisboa olha para trás. Não só para o que se passou há um ano. Volta-te. Olha para o teu interior (não se diz que a beleza começa no interior?!), não voltes as costas ficando aí só a ver o mar. Aqui também há mar. O teu mar é como o meu pinhal que está há décadas (e não só há um ano) a tentar começar.