A língua inglesa tem evidentes vantagens, quer pela facilidade de aprendizagem, quer pela internacionalização. É dotada também de uma assunção frequente de que toda a gente a fala fluentemente. Quem sabe inglês está tão protegido como estando com Deus, parece ser a crença generalizada. Mas será que assim é? Não me interpretem mal, eu gosto muito de inglês, tanto que voltei recentemente a estudá-lo, facto que causou alguma estranheza: se eu até me oriento bem, porque estudar mais? Há uma grande diferença entre orientar-se bem, vulgo desenrascar, e o falar corretamente.
Constato, contudo, dois pontos críticos: por um lado, os nativos da língua inglesa, não têm, aparentemente, interesse, ou necessidade, talvez seja o mais correcto, de aprender outras línguas. Conheci, em tempos, um escocês que estudara francês, italiano e português. Não quero tirar-lhe o mérito, que é imenso, mas poderei levantar o véu e revelar que as suas motivações estavam relacionadas com a língua do país de origem da namorada do momento. É uma motivação como qualquer outra, e sempre se tornou útil, mesmo após os términos dos namoros internacionais. O outro senão, é que a crença de que o inglês é falado em todo o mundo é um excesso de simplificação, para não dizer uma falha completa de verdade.
Estive recentemente na Tunísia, país árabe de influência colonial francesa. A língua oficial é o árabe, na variedade regional tunisina designada como Derja. O francês, não sendo oficial, é amplamente usado, e ensinado nas escolas como língua estrangeira. É raríssimo encontrar quem fale inglês, mesmo na básica forma. Segundo me foi dito por um taxista, o inglês apenas é ensinado na universidade, frequentada ainda por uma minoria.
Ora assim me encontrei, entre 2 línguas, uma que não percebo de todo, e outra que deixei no 9º ano, juntamente com os diários que escrevia e fechava a 7 chaves. Ou seja, há muito tempo atrás. Devagarinho, fui puxando pela memória, não sem alguma vergonha, porque era até boa aluna, mas encontrava-me agora a sentir-me verdadeiramente grega para me expressar. Lá me comecei a orientar, mas longe da fluência. Parece que a necessidade aguça o engenho, de facto. “lentement, doucement, ça va”
Por isso fiquei muito surpresa com a fluidez com que o guia tunisino falava português após 2 anos de convivência com portugueses, num registo absolutamente nada académico. Mais uma vez, a necessidade… não sendo aprimorado, era perfeitamente entendível, misturado com castelhano, mas com a noção clara que estava a usar a palavra doutro idioma. Partilhou conhecimentos de história, geografia, demografia, num sotaque muito particular, com um detalhe entre frases que achei delicioso… quando se perdia na continuação, dizia pausadamente: poisssss. Encantador.
Não tenho formação linguística, nem me atrevo a fazer avaliações a esse nível, mas parece-me que há muito para alem da sintaxe e da semântica. Como no Direito, temos que ir além da estrita interpretação da lei e atingir o espírito da mesma. No caso das línguas, permitam-me esta opinião muito particular, acho que se se é capaz de produzir um registo humorístico, sarcástico ou mesmo mordaz, já se sabe qualquer coisa…
Dizia ele que os estrangeiros lhes chamam todos os dias de bêbado. Mas fazem-no com ar sorridente e de gratidão. Ria-se bastante pelo meio, enquanto olha as nossas faces espantadas. Que não se ofende, porque já está habituado. E ri-se mais, enquanto explica: é que obrigado e bêbado escrevem-se da mesma maneira (“Sukran”), mas dizem-se de formas diferentes: “chucran” e “sucran”, respectivamente.
Trouxe muitas outras curiosidades na bagagem, mas ficam para outras núpcias.
Para já, vou terminar a minha crónica com a habitual citação, desta vez deste senhor, guia tunisino, Ghassen:
“Em 1957, Bourguiba, primeiro presidente da República da Tunísia Independente, proibiu a “poligâmia”, digo, “poligamía”, sendo que um homem só pode casar com uma mulher, ao invés das 4 permitidas pelo Corão. Menos 3 problemas, portanto”.
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