Home>Cultura, Literatura e Filosofia>FIZESTE-ME PINTAR AS UNHAS
Cultura, Literatura e Filosofia

FIZESTE-ME PINTAR AS UNHAS

Sabes que pintar as unhas é algo que aprendemos a fazer com as nossas amigas.

E eu não sabia que nós éramos amigas!

Se calhar és tu mais minha amiga do que eu sou tua.

A ser assim, teremos de reparar o erro.

Dar cor às extremidades do meu corpo, foi algo com que a maria-rapaz em mim, nunca antes se preocupou.

Mas naquele dia, a tua reação, fez toda a diferença.

A manhã ia a meio e decorria como tantas outras.

Entrei na sala. Já não me lembro o que ia lá fazer.

Não sabia que lá estavas. Vi-te de costas e não te reconheci.

Olhaste para mim e disseste bem alto, sem qualquer exagero, algumas dez vezes seguidas “Ai não acredito! Estás aqui!”

Quanto entusiasmo nessas palavras e na forma como as repetiste sem parar.

Nem o meu espelho fica assim tão feliz quando me vê de manhã.

Mas percebo a tua admiração.

Eu própria venho para cá todos os dias e também não acredito.

Há algo de absolutamente encantador na genuinidade e rapidez com que uma mulher consegue ter um ataque de nervos e cinco segundos depois voltar ao seu estado normal: manter-se de modo controlado no mesmo registo de loucura.

Depois abraçaste-me com força, e sem mais demoras, convidaste-me para o teu casamento.

Sim, perguntaste-me se queria fazer parte de um dos dias mais importantes da tua vida.

Daqueles em que só queremos estar rodeados de gente querida.

Não me apercebi que me tinhas em tão alta consideração.

Mais tarde, já no dia tão aguardado, haverias de me dar uma enorme lição, aliás como fazes permanentemente.

Segundo consta as tuas lições são sempre grandes, à medida do tamanho de quem as assiste.

E é esta a normalidade com que avançamos em mais um dia de trabalho.

Estamos praticamente quatro anos sem nos ver ou falar e a primeira coisa que fazes é esmagar-me lentamente e convidar-me para comer bolo vestida de princesa.

Adoro!

Mais o bolo que o resto, mas ainda assim caiu-me muito bem esta tua iniciativa.

Para comer bolo com a classe à altura destas ocasiões é necessário pintar as unhas.

E foi o que fiz.

Já as pintei antes, é claro, várias vezes e às cores, mas por este motivo e com tão pouco tempo de antecedência creio ser uma estreia.

Confesso que me esmerei.

Ainda pensei em mandar pintá-las, mas disseram-me que tinha de as colocar no forno, e vindas do forno só gosto de duas coisas: bolos e os cozinhados da minha mãe.

Não faço ideia do que nos possa ter aproximado.

Talvez o tempo que não passámos juntas…

As palavras que não dissemos…

Tu falavas muito e demasiado depressa, recordo.

Sempre ligada à ficha, eras detentora de uma alegria, absolutamente, contagiante.

Perto de ti ninguém se conseguia sentir triste a não ser quando choravas.

Quando o fazias olhava-te simplesmente.

Creio nunca ter encontrado as palavras certas para te confortar, por isso limitei-me a ouvir e tentar entender o incompreensível.

Infelizmente, ainda o fizeste várias vezes, mais que as desejadas, mas as necessárias para te levantares e seguires em frente após cada golpe.

Admiro isso em ti.

Admirei-te também, e muito, naquele dia de inverno onde te encontrei a embrulhar presentes.

Embrulhar presentes é tarefa de uma grande responsabilidade.

Dobra para cima, dobra para baixo, envolves os sonhos de quem os há de receber.

Por falar em sonhos, eis que chega esse dia tão esperado.

A cerimónia decorreu normalmente sendo que os pormenores que fugiram da normalidade, quanto a mim, foram os mais emocionantes.

O teu filhote, aquele pequeno gigante, a quem deste o braço, caminhava a teu lado deliciosamente emocionado.

Não fosse ele tão crescido e acredito que terias feito o caminho até ao local da cerimónia com ele ao colo.

Mais um bocadinho, e brevemente, quem pega em ti é ele.

Irradiavas alegria entrecortada por um mar de felicidade que te escorria em cascata pelos olhos.

Parabéns também pelo noivo que chorava como se há muito estivesse perdido e tivesse acabado de se encontrar quando te viu a caminhar na sua direção.

Acho que nunca vi um homem crescido chorar tanto num casamento, o que só comprova que soubeste escolhê-lo.

Ou então estava apenas demasiado alegre por finalmente poder ficar entrelaçado com uma loira de olhos azuis.

Então e nós… todos os outros… faz muito tempo que não nos víamos…

Juntaste-nos.

Por força dos momentos passados no passado, juntaste-nos.

E ali estávamos, ora abraçados, ora descalços a dançar.

Ora a tirar fotos, ora regaladinhos da vida a papar.

Sim, eu sei, é ridículo fazer esta rima mas achei que ficava bem…

A meu ver, há algo de fascinante na união que existe num grupo de pessoas que partilham o mesmo chão, de pés descalços e doridos pelo uso de sapatos novos, em ocasiões especiais.

Sabes que nome se dá às pessoas que juntam as outras, tal como quando fazemos aqueles recortes de papel que depois de abertos estão todos de mãos dadas?

Matriarca. É o que tu és!

Até porque se não fores isso então não sei o que sejas…

És apenas assim na minha opinião, mas podes ser outra coisa qualquer e aquilo que quiseres… linda e vestida de princesa és capaz de tudo.

Princesinha que não se cala nem por um minuto seguido…

Sempre a falar com todos, a fazê-los sentirem-se bem-vindos e acarinhados, não fossem acharem-se sozinhos no meio de tanta gente.

Tens é de parar de refilar com o fotógrafo. Não querias que ele andasse sempre atrás de ti não tivesses vindo assim tão linda e bem vestida para a cerimónia.

Sabes que os fotógrafos tentam fazer com que o seu flash ofusque as noivas, porém, sempre sem sucesso.

Não sabes que eles não podem ver uma princesa que disparam em todas as direções?!

Por falar em contos de fadas, à hora do corte do bolo é que foi soltar magia.

Duendes imaginários tocavam aquela música celta linda que nos conduzia até à cascata lilás com os repuxos de água luminosos.

Havia pés descalços em cima da relva fresca que aliviava o ardor dos sapatos e por cima de nós um céu escuro, imenso.

Nessa noite não vislumbrávamos demasiadas estrelas e eu sei porquê.

O fogo-de-artifício mais não é que uma excursão de estrelinhas vindas até ao local da festa para a qual foram convidadas.

Vêm todas juntinhas e na altura do corte do bolo explodem sorridentes.

Estão felizes porque chegam na hora certa e chovem coloridas em cima de quem as olha.

Mas quem é que no seu perfeito juízo não gosta de bolo?!

Adoro bolo.

Já te disse que gosto de fogo-de-artifício?

Todas aquelas estrelinhas, as que vieram em excursão, trazem vestidos coloridos e brilhantes, tal como nós.

Vêm cheias de brilhos, como quando colocamos a maquilhagem que sempre escorre um bocadinho.

Um pozinho aqui e ali e ficamos brilhantes em todo o lado, tal como elas.

Alinhaste os teus convidados como se fossem constelações na terra e transformaste-nos em estrelinhas brilhantes para teres por onde ir, rumo ao teu novo universo.

Passaste o dia a rir e a chorar e neste momento fizeste-o mais uma vez.

As melhores coisas da vida fazemo-las de olhos rasos de água.

Afinal de contas precisamos de água para sobreviver e a emoção necessária para a fazer correr quando a felicidade já não cabe.

Agradeci o convite já perto do final da festa. Realmente, não esperava.

Falaste em espírito de grupo.

Disseste que há quatro anos nós éramos um grupo e que nenhuma parte do grupo poderia faltar.

Creio então ter feito a minha parte, antes e agora.

Há mais pessoas que teriam adorado ir ao teu casamento: os senhores das lojas onde comprámos os presentes!

Na primeira loja pusemos algumas das senhoras a rir.

Quer dizer, elas, as tuas convidadas é que puseram que eu porto-me sempre bem.

Na segunda loja remexemos em tudo e fizemos o senhor desarrumar o armazém inteiro.

Quando voltares da lua de mel desconfio que ele ainda vai estar a organizar as coisas no armazém.

Desejaram-te felicidades e nem te conhecem. Já viste a tua sorte…

Por último, informo que sei quem roubou os noivos ao bolo, mas não digo.

Agora que tirei o vestido de princesa e arrumei os sapatos que me apertaram os pés, achas que já posso despir as unhas?

É que o brilho do verniz com que as pintei torna a realidade intermitente.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.