A demência é um tema que já nos habituamos a ouvir falar. Por norma associamos ao Alzheimer, mas a verdade é que existem vários tipos de demência e o Alzheimer é apenas um desses tipos.
Como já descrito numa crónica em Novembro do ano passado:
“A demência é um processo orgânico cerebral caracterizado por uma perturbação da memória, associada a pelo menos um défice cognitivo, representando um declínio em relação ao nível prévio de funcionamento (Fernandes et al, 2011; Hay, J., 2001).
Este declínio das funções cognitivas está também associado a uma alteração de comportamento, determinando um declínio nas Actividades de Vida Diária (Fernandes et al, 2011). Como critérios de diagnóstico referem-se o défice de memória, das funções cognitivas, do controle emotivo ou alterações de comportamento (labilidade emocional, irritabilidade, comportamento social inadequado); dificuldade nas funções ocupacionais ou sociais; declínio do nível anterior de funcionamento; o défice cognitivo deve ter uma duração superior a seis meses (Fernandes et al, 2011).”
Este processo de declínio desenvolve-se em várias fases. Cada qual com os seus “quês”, mas umas “mais difíceis que outras”.
Se pensarmos numa fase inicial, na qual a pessoa começa a aperceber-se das suas perdas, esta é uma fase difícil para o mesmo na qual ainda está consciente e sente que algo de errado está a acontecer. No entanto, apesar de ser uma fase complicada, a pessoa ainda consegue (por vezes com ajuda) encontrar estratégias para retardar o avanço deste declínio cognitivo em fase inicial e manter-se activa e independente.
Se pensarmos numa fase anterior à final, esta fase é a mais difícil para a família, porque na maioria das vezes a pessoa com o declínio cognitivo não reconhece determinado familiar (seja filhos, marido,…). No entanto, para a pessoa em si, está fase é mais calma. Como não se recorda, não reconhece, não sente saudades, não sente falta… Observamos uma pessoa com um olhar mais vazio, mas (talvez) mais serena. Repito, esta fase é a mais difícil principalmente para as pessoas mais próximas.
Quando analisamos a fase entre a inicial e o estadio anteriormente descrito, como profissional de saúde, considero ser a «FASE NÃO». Novamente reforço que esta é uma opinião pessoal, mas do meu ponto de vista, esta é a etapa mais difícil para a pessoa e para os profissionais e familiares. Por isso lhe chamo a «FASE NÃO».
Nesta fase a pessoa ainda tem períodos de alguma orientação, nos quais se encontra mais estável. Mas muitos momentos são de grande agitação, particularmente se afastados do seu ambiente (como é o caso das pessoas com as quais intervenho). O que se observa é, por exemplo, uma mãe que chora compulsivamente porque não sabe onde estão os seus filhos; portanto sabe e lembra-se que tem filhos, mas não é capaz de recordar que foi visitada por eles no dia anterior, que no horário em questão estarão a trabalhar, que já são adultos e capazes de fazer as suas coisas… Vemos um pai que recebe a visita dos filhos e os vê ir embora e fica a chorar angustiado porque não consegue perceber para onde vão, o que lhes «vão fazer»… Vemos uma esposa que olha para o marido e pensando ser o seu pai, não compreende determinados gestos que tem para com ela e pergunta (ao próprio marido) constantemente pelo seu marido…
Nesta fase, observamos pessoas maioritariamente preocupadas, assustadas. Pessoas que em segundos não sabem onde estão e se questionam pelas suas coisas afirmando com toda a convicção que foram roubadas… Nesta fase observamos pessoas com as quais tentamos dialogar, com as quais tentamos entrar no seu discurso e de alguma forma indo por um ou outro caminho, tentamos ajudar a acalmar; mas na maioria dos casos, sem grande resposta… É nesta fase que ouvimos “Não sei nada dos meus filhos. Sinto uma tristeza tão grande. Dói-me o coração. Apetece-me morrer.”
É por isso que para mim, como profissional, esta é a «fase não»: não sei onde estou; não sei bem quem sou; não sei onde está a minha família; não sei das minhas coisas; não sei o dia nem o mês; não sei quem é a pessoa que está aí a falar comigo e a tentar ajudar; não sei… Não sei muita coisa, mas lembro-me de muitas coisas, pessoas e lugares… Não sou é capaz de estabelecer conexões entre elas!
Como profissional, muitas vezes, também eu “NÃO SEI” como ajudar… e também é angustiante…
Esta é a «FASE NÃO», aquela que me deixa sempre a pensar e repensar no que fazer, como fazer… mas nem sempre com resposta capaz de ajudar!
“Mais do que acrescentar anos à vida, a Terapia Ocupacional acrescenta vida aos anos.”
Referências Bibliográficas:
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Fernandes, L., Pereira, M. G., Pinto, L. C., Firmino, H. & Leuschner, A. (2011). Jornadas de Gerontopsiquiatria (1ª ed.). Águeda: Artipol – Artes Topográficas, Lda.
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Hay, J. (2001). Doença de Alzheimer e Demência (1ª ed.). Lisboa: Plátano Edições Técnicas.