Quando penso em viagens, vem-me sempre à ideia o poema “E Tudo Era Possível”, de Ruy Belo: “Na minha juventude antes de ter saído / da casa de meus pais disposto a viajar / eu conhecia já o rebentar do mar / das páginas dos livros que já tinha lido”.
Talvez porque isto me lembre tanto a minha própria percepção de VIAGEM…
…como quando – daqui por uns tempos – me encontrar nos píncaros do Machu Picchu ou me vir defronte do mar de Cartagena das Índias. E… o que será que vou sentir, depois de já lá ter estado através das páginas dos livros que já li? Das histórias que ouvi contar?
Já em criança, mesmo sem sair de casa, sempre gostei de viajar – pelos livros, pelas conversas, mas também pelos sentidos, porque ficava a imaginar como seriam aqueles sítios, ficava a construí-los na imaginação e, a muitos deles, ficava a inventá-los como novos. Porque viajar pelos sentidos é uma percepção individual, como o é, por exemplo, a ideia de beleza ou de felicidade. Ao viajar pelos sentidos, creio que vamos pelo que se nos afigura mais agradável. Por isso, é uma viagem transcendente, que poderíamos, se assim entendêssemos, aproximar daquilo que considerássemos divino – de um deus, de algo que representasse a perfeição ou, em tratando-se de um lugar, o paraíso. Pois, se muito do que vemos e do que ouvimos falar, pára directamente na inteligência, a viagem através dos sentidos estará próxima da ideia que temos de coração – “no coração”, “dentro do oração”. Guardamos no coração o que sentimos em presença, mas guardamos também o que vamos construindo mentalmente – esse mundo paralelo que arquitectamos mais para nós próprios, que nos ajuda a suportar os rigores da vida e vai também contribuindo para a firmeza de carácter.
Aquilo que já conhecemos das histórias, dos livros ou do cinema leva-nos a fazer essas tais verdadeiras viagens através dos sentidos. Quando nos deslocamos, fisicamente, a esses lugares vamos confirmar suspeições, mas também (acredito!) nos vamos surpreender, porque nada tira a ambiência, nem o carácter a um lugar – que os lugares têm personalidade, sim.
O pensado, o imaginado, não substitui o físico. Haverá uma primeira impressão, uma sensação semelhante a um “déjà vu” que até poderá servir para nos apaziguar a alma, acabando por nos deixar mais receptivos ao deixarmo-nos ir, para conhecermos ainda melhor os lugares que visitamos.
Conhecer novas culturas, pessoas, lugares, comida, clima, língua diferente… tudo isso afia os sentidos. As experiências da viagem deixam o centro de prazer do cérebro mais activo e vão reforçar a capacidade de memória; vão melhorar nossas relações, criando e fortalecendo laços; vão aumentar a nossa capacidade de compreensão dos outros, do mundo.
E, ao viajar, colhemos sensações e ideias, registamos imagens, assim ampliando o nosso repositório de memórias.
Creio que, à semelhança da maioria das pessoas, regresso sempre diferente depois de uma viagem – depois de ler um livro, depois de ouvir uma boa história, de ver um bom filme, de me ausentar da rotina. Venho transformada. E a transformação – essa – costuma fazer-me muito bem.