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Saúde e Vida

VIVER COM DOENÇA CRÓNICA

Viver com doença crónica é um dos maiores desafios que a vida pode oferecer a quem é diagnosticada uma ou mais doenças crónicas, tornando-se um fator de transformação da forma como vivemos, sentimos, agimos. Alguns artigos apontam o diagnóstico de doença crónica como um balde de água fria que cai sobre nós e que nos obriga, sem querermos, a transformar toda a nossa vida, para termos o máximo de qualidade de vida possível.

Vivo com doença crónica há alguns anos, sendo que um dos piores sintomas com que enho que lidar diariamente é a dor crónica que interfere com todas as atividades diárias tal como em todos os contextos da minha vida, emocional, psicológico, familiar, laboral, lazer, entre tantos outros campos que tiveram que ser obrigatoriamente alterados, para que possa viver o melhor possível, para que o meu viver não se torne crónico.

Cada pessoa sente à sua maneira a doença que com que vive e convive, sendo que tem que passar por um necessário e importante processo de luto, para se “despedir” da pessoa que era antes, do que podia fazer, do que sentia e como vivia, para depois poder acolher a sua nova vida, com as limitações, as alterações orgânicas e emocionais, para que possa então viver o processo de aceitação da doença, tendo em conta que a aceitação da doença e o acolher do novo viver significa que a doença não nos controla, mas que somos nós que controlamos a forma como queremos viver, apesar das vicissitudes da doença e dos dias.

Viver este processo de luto não é de todo fácil por mais que seja importante para quem vive com doença crónica, pois associado ao processo saúde-doença, podem existir outros lutos que têm que ser vividos no tempo certo, não havendo emoções erradas ou certas, pois são totalmente genuínas quaisquer emoções que possamos sentir em relação à doença e ao nosso viver e que devem ser vividas quando as sentimos. Camuflar essas emoções vai atrasar o processo de aceitação que emocionalmente é muito importante para que possamos viver da melhor forma possível, para que possamos operar todas as mudanças que serão necessárias e que irão originar uma nova vida, que precisa ser vivida com qualidade, equilíbrio e determinação.

Alguns dos lutos a que me refiro relacionados com a convivência com doença crónica devem-se ao não conseguirmos fazer o que fazíamos antes na mesma medida, quantidade e tempo e neste caso precisamos compreender que se queremos viver com qualidade, temos que reconhecer os nossos limites e/ou limitações, sem haver nenhum processo de culpa, pois não há qualquer culpa a atribuir a quem quer que seja e muito menos a nós mesmos. Assim, precisamos encarar e valorizar o que conseguimos fazer dia-a-dia, com as nossas capacidades e habilidades, aceitando o nosso novo ritmo, a nossa nova condição, não deixando de fazer o que gostamos, mas equilibrando a forma como nos entregamos e dedicamos ao que nos faz sentir feliz, ao que nos dá prazer, ao que tem que ser feito. Respeitar, sem culpa, o nosso novo ritmo é o primeiro passo para o percurso da aceitação da doença e da nossa nova forma de viver.

Outra questão sobre a qual costumo escrever está relacionada com a forma como se lida com a doença ou seja, a forma como nos referimos à mesma e o exemplo que comecei a aplicar e praticar na minha vida é não dizer “tenho uma doença”, “a doença que tenho” e passei a dizer “a doença com que vivo e/ou convivo”, pois ao referirmos à doença como algo que temos, torna-se mais difícil haver um distanciamento da doença e começamos a ser a doença, perdendo a nossa individualidade, transfigurando o nosso viver em algo totalmente diferente do que queremos. Outro exemplo, que impede a aceitação da doença é o constante assumir do nome da doença como por exemplo, “sou diabético, oncológico, seropositivo, fibromiálgico, etc.”, em vez de dizer “vivo com diabetes, com cancro, com fibromialgia, etc.”, sendo que só esta mudança de assumir a doença tem implicações positivas nas nossas emoções e no nosso Viver.

Viver com doença crónica é também sentir o isolamento social quer seja porque não podemos frequentar os mesmos locais, estar muito tempo nesses locais quer seja porque as pessoas afastam-se de nós quando sabem que vivemos com alguma doença, sendo necessário fazer uma chamada de atenção neste campo. As pessoas por vezes afastam-se não é por não gostarem de nós, mas porque são ignorantes no que toca à doença, sendo nossa função partilhar informação, dar a conhecer a doença, os sintomas, os tratamentos, as limitações, para que essas pessoas possam compreender o que e como vivemos. Ao mesmo tempo as pessoas afastam-se, muitas vezes, porque não sabem lidar com a nossa doença, considerando que não podem fazer nada, que a sua ajuda não é suficiente e optam por se refugiar nelas próprias, Nestes casos o importante para cada um de nós é assumir que as pessoas afastam-se da doença e não de nós e que não deixam de gostar de nós, apenas não sabem o que e como fazer algo por nós.

Viver com doença crónica altera a nossa vida e uma das principais questões é quando nos sentimos reféns da doença, a nova vida e permitimos que a doença os controle, ficando apenas à espera que algo aconteça, sendo que está nas nossas mãos fazer a nossa parte para vivermos o melhor possível. Quanto mais resistimos à doença (quando a negamos), mais ela vai interferir com as nossas emoções e vai impedir-nos de viver o que queremos viver, quando aceitamos a doença conseguimos olhar para ela por outro prisma, que nos permite ver e reconhecer do que somos capazes de fazer, sentir e viver e que mesmo vivendo com uma doença crónica, não tem que ser crónico o nosso viver. Viver com doença crónica é testar diariamente os nossos limites, é reaprender a gerir as nossas emoções para que elas não nos dominem, mas que sejamos nós a gerir o que sentimos, para podermos transformar a forma como queremos viver.

Viver com doença crónica implica que tenhamos que alterar algumas coisas na nossa forma de estar, sentir e agir, como por exemplo, não culpar pelo que não podemos fazer (na mesma medida, quantidade e tempo); responsabilizar pela nossa saúde e pela doença (mudar hábitos, comportamentos, adotar um novo estilo de vida, cuidar de nós); partilhar informação com quem nos rodeia para que tenham todos os conhecimentos necessários sobre a doença e os desafios me viver com ela (somos todos veículos de informação e os maiores conhecedores sobre a doença com que vivemos); manifestar o que sentimos, quando o sentimos, mesmo que sejamos incompreendidos, pois se escondermos o que sentimos, se não assumirmos que precisamos de ajuda, as outras pessoas também não saberão como nos podem ajudar.

Viver com doença crónica é adotar uma nova forma de viver, onde nos tornamos mais responsáveis pela nossa vida, onde precisamos de viver os nossos lutos (saúde, relações, etc.), estabelecer novas metas e objetivos adaptados à nossa nova realidade de vida, nunca deixando de sonhar, de acreditar que podemos fazer tanto pela nossa vida, mesmo com as limitações. Aprendemos também que as emoções têm que ser abraçadas tal como surgem sejam mais ou menos positivas, por isso se queremos chorar, choramos (não é de todo um sinal de fraqueza, mas sim de grande força), se nos quisermos rir, rimos (sem nos culparmos por nos sentirmos felizes, pois viver com doença não quer dizer que não podemos ser e/ou nos sentirmos felizes).

Se conhecem alguém com doença crónica, partilhem este texto com essas pessoas, para que possamos ajudar no seu processo de aceitação, para que as possamos ajudar a ser mais felizes, pois a doença pode ser crónica, mas que não seja crónico o nossos Viver.

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