Encontrei-a no outro dia, casualmente.
Colega de escola, há anos que não nos víamos, perdidas uma da outra nos cruzamentos da vida. Sorrisos e meia dúzia de palavras, acabámos na inevitável troca de contactos. Telemóvel e claro, Facebook. Disse-me que procurasse pelo e-mail que seria mais fácil: Ana*$%#$#Narciso@????.com. Ana Narciso, perguntei, espantada?! Casaste e ficaste com o nome dele?! Surpresa, porque ela apregoava que nunca tomaria o nome, por uma questão de princípio, não mudaria de pais, não mudaria documentos, etc.etc. Mais espantada fiquei, quando me disse: com o nome dele não, nem pensar, achas? Temos é uma conta de Facebook comum. Ana e Narciso, percebes?
Não, não percebo.
Não consigo perceber essa comunhão de individualidades em contas particulares. Se fosse um negócio comum, uma página, uma sociedade, enfim. Mas a um nível individual?! Recreativo? Não pude deixar de me lembrar de um post que vi uma vez algures, que dizia mais ou menos isto: quando me dizem: “agente vamos? Eu decido que já não vou a lado nenhum…” pois, parece que não vou usar-me desse Facebook, onde surgem ambos na foto de perfil, com uma foto com um e pluribus unum de fundo, clubismos e nacionalismos à parte, mas que faz todo o sentido na questão…
Ia a conduzir e a pensar nisto. Como se faz a gestão de um perfil particular conjunto? Qual é o critério de publicação? Qual é a definição de manifestar interesse em eventos, por exemplo? Ou de comentar publicações alheias? Ou de convidar pessoas para a sua rede? Ou de receber convites? Pressupõe reuniões várias para estabelecer a par e passo o teor da mesma? São necessários ensaios vários de normalização de gostos? De uniformidade de gestos e comentários? Como aqueles supostos ensaios que resultam numa resposta afinada e simultânea a uma pergunta do género: de que cor gostas? E ambos, como meninos do coro, cabeça bamboleante à banda, respondem em uníssono: azul! É isso? Resposta sincronizada, como a natação? Tinha o cérebro em água…
Mas não ficou por aí: quando falamos com Ana Narciso, estamos a falar com quem, com a Ana ou com o Narciso? Se mandarmos uma mensagem, quem é que nos responde? O nosso amigo, ou o pendura?
E isso pressupõe que têm os mesmos amigos? Amigos comuns é normal, mas todos comuns? E onde andam os amigos ou conhecidos que apenas um conhece? São rejeitados? Eu não conheço o Narciso de parte alguma, portanto também não sei se me interessa que ele saiba coisas sobre mim. Não é que tenha alguma coisa a esconder, mas daí a dar acesso total ao marido-ligado-pelo abdómen, quando só conheço uma cabeça, vamos com calma. Mesmo os irmãos gémeos criam individualidades distintas, e que me conste não há contas conjuntas de gémeos.
Haverá conversas perscrutadoras, do género: olha lááááá, quem é aquele tipo de tronco nu que mandou uma foto? Ou alguém que manda um comentário sobre uma tarde passada em 1992? Enfim, vinha nisto quando penso que se calhar é melhor não comentar que vi o namoradinho da primária dela, que lhe mandou um beijo, poderá criar graves problemas conjugais.
Isso levou-me a outro lado da questão que é: qual o objectivo? O meu romantismo não me chega para justificar tal fusão de almas, tal entrega, na saúde e na doença, nas redes sociais e na limitação de contactos. Vou mais longe, e penso que é uma necessidade de controlo, muitas vezes imposto por uma parte à outra, que não consegue recusar sem ferir o seu bijuzinho, e vai permitindo, mais dia menos dia, uma câmara no seu cérebro. Não vá um dia detectar alguma infidelidade, como no dia em que declarou ser verde a cor preferida, ao contrário do azul, conforme ensaiaram noites sem fim… Se é necessário um gps emocional, algo está muito errado: aposto que é a relação.
E se nem as relações são eternas, pergunto-me eu: o que se faz a uma conta conjunta? Eclipsa-se no espaço? E perde-se o contacto de todos aqueles que vamos recuperando, entretanto? Partimos da comunhão completa para a inexistência total? Pois que fiquei a pensar no assunto. E se calhar o problema é meu, que tenho a presunção de que individualidade é uma excelente sustentação de vida. Manias…
“Comunidade que anula a individualidade não é comunhão, é manipulação.”