
Durante o mês de Maio e início de Junho tive o prazer de participar como voluntária no projecto arqueológico Gravestone Recording Project através do consórcio MOLA Headland Infrastructures. Os trabalhos foram realizados em ST. James Gardens em Euston, Londres. Nesta crónica decidi falar um pouco do trabalho que realizei por lá: a recolha de informação de epigrafia tumular tem um processo muito próprio e é sobre ele que tenciono incidir aqui.
Primeiro vamos contextualizarmo-nos um pouco olhando para a história do sítio.
St. James Gardens foi aberto em 1789 como cemitério para a paróquia de St. James´s Piccadilly no distrito de Camden. Originalmente o sepulcrário foi desenhado com a capacidade para 14.000 enterramentos (segregados por classes sociais), porém quando em 1853 foi fechado o loteamento do espaço passava dos 63.000, incluindo 300 sepultamentos na cripta localizada debaixo da capela. Em 1887 a maioria dos monumentos e lápides foram removidos e St. James abriu como um jardim público.

O trabalho recaiu sobre as pedras tumulares que permaneceram no local, que segundo os arqueólogos envolvidos no projecto, andavam à volta de 400 memoriais e lápides.
Antes de decompor o processo realizado, devo dizer que como os trabalhos foram levados a cabo dentro de uma obra, todos os voluntários tiveram um colóquio sobre segurança e saúde no trabalho, assim como acesso ao vestuário e equipamento próprios para situações como esta.
O acto de recolher informação de pedras tumulares foi dividido em duas fases: o registo detalhado da lápide e das inscrições e o registo fotográfico.
A primeira fase, onde o grosso do trabalho é feito pode ser subdividida em 3 partes:
Limpeza, com a ajuda de água e uma esponja, da superfície e laterais da pedra;

Localização e interpretação da inscrição (aqui é requerido algum tempo e dedicação) normalmente duas ou mais pessoa participam neste processo (quatro olhos vêem melhor que dois). Muitas das lápides, devido à erosão ao longo do tempo, perderam pequenas ou grandes partes do texto, houve casos que pura e simplesmente toda a epígrafe desapareceu. Uma técnica usada pelos investigadores para melhorar a análise do texto passa por deitar água com terra por cima; a água negra preenche as cavidades das letras melhorando significativamente a sua visibilidade. Esta é uma fase voltada para a observação, interpretação, compreensão e anotações do texto.
Preenchimento da ficha de registro, foi nela que colocamos toda a informação recolhida pelo processo a cima referido! Neste caso a ficha usada foi a de registo de pedras tumulares. Basicamente a ficha irá possuir o número de contexto (o número neste caso dado a pedra) e nome do sítio (St. James Gardens), logo abaixo será a área a ser preenchida com as características físicas (altura, largura, tipo de pedra, estado da peça etc…) seguem-se as particularidades do texto (estado da inscrição, simbologia, nomes, datas de nascimento de falecimento, parentesco etc…) nesta parte também se encontra a parte para comentários, alguns aspectos que o investigador ache pertinente acrescentar. No fundo é o local para colocar o número do registo fotográfico (número da foto) e o local a ser assinado e datado pela pessoa que preencheu a ficha. Na parte de trás da folha é onde se transcreve o texto que deve ser sempre reproduzido em letras maiúsculas e com todos os pontos, virgulas e símbolos. Para facilitar a compreensão do texto para os leitores, há certas regras a seguir, por exemplo: as partes de texto ou palavras parcialmente legíveis devem ser postas em parenteses curvos ( ) as partes que são conjecturadas pelos investigadores devem ser colocadas em parenteses rectos [ ], devo dizer que apesar de haver excepções à regra, no geral a construção textual de um epígrafo segue certos chavões que permitem com o auxilio do texto disponível supor certas palavras ou frases, já o texto que não é legível de todo deve ser substituído por reticências … . Ao lado da transcrição fica o croqui, um desenho tipo esboço, da pedra onde devem estar patentes as medidas, altura e largura.
Finalizado o preenchimento da ficha de registo passamos para a segunda fase do trabalho, o registo fotográfico. A fotografia em arqueologia deve sempre ter uma escala, neste caso a escala é posicionada ao lado da pedra tumular, os números das fotos devem depois ser colocados na ficha de registo.
Concluído todo este processo a lápide é marcada como registada e é substituída por outra que passará pelo mesmo escrutínio, num trabalho metódico e sistemático. Todas as pedras tumulares foram devidamente armazenadas. A informação que agora vai ser estudada pode fornecer um variado leque de conhecimento (esperança média de vida, divisão social, mortalidade infantil etc…) sobre o grupo populacional que habitou a paróquia de Piccadilly do séc. XIX. Posteriormente será criada uma base de dados que poderá ser verificada por quem quiser saber mais sobre quem teve a sua última morada em St. James Gardens.
Arqueologia é o registo de informação do passado, às vezes mais antigo, às vezes mais recente, mas toda a informação deve ser assentada devidamente e seguindo sempre as metodologias de trabalho para que agora ou no futuro possa ser analisada e estudada por quem quiser.
Esta crónica teve a aprovação das entidades que levaram a cabo as obras no local e pelas entidades responsáveis pelo Gravestone Recording Project a quem deixo desde já o meu agradecimento.