Aterrei no aeroporto de Bissau e, enquanto esperava a boleia até à cidade, lá surgiu a conversa simpática e fácil de um agente da autoridade que preocupado, queria saber se queria taxi ou se tinha forma de chegar à Praça (centro da cidade de Bissau) ou se já conhecia o país.
Disfarçadamente, até porque tinha outro colega por perto, pediu ajuda para comprar o “mata bicho” (comida) para quando terminasse o trabalho. Não tinha dinheiro comigo e o pedido morreu por ali dando lugar à conversa. Como guarda, a trabalhar em Bissau Velho (quarteirão antigo que borda o estuário do Rio Geba) disse-me ter um salário mensal de 28 000 Francos CFA (não chega aos 40 euros) que acaba por nunca ser esse montante pois, por razões que nunca lhe explicaram, na conta aparecem apenas 25 000 Francos CFA (38 euros). À noite trabalha no aeroporto e complementa o rendimento com mais cerca de 60 euros, apesar de por vezes o dinheiro do mês não lhe chagar às mãos, também por razões que diz desconhecer… parece satisfeito (ou resignado seja a explicação mais plausível) com a simples perspetiva de ter direito a esse complemento de salário, mesmo se há meses em que não o vê.
Com jornadas que começam às 8 da manhã e podem terminar às 4 ou 5 da manhã , em dias de voos a chegar de Marrocos, amealha no total, menos de 100 euros para governar uma casa onde vive com a mulher e três filhos. Confessa que por vezes passam dois ou três dias sem os ver acordados. Porque chega a casa tarde, muito tarde, e quando sai para o trabalho eles ainda dormem.
Estes menos de 100 euros mês dão para pagar dois quartos por onde se dividem os 5 elementos do seu agregado familiar, num anexo perto do aeroporto que lhe custa 23 Euros e onde quer um dia acrescentar uma casa de banho (por enquanto uma latrina na rua vai servindo) e o espaço da cozinha para a mulher não cozinhar ao relento em tempo de chuva.
Escusado seria acrescentar a falta de água (que os miúdos vão buscar em baldes ao poço mais próximo de casa) e de luz, luxo que chega a uma percentagem minima da população, mas na dúvida aqui fica a nota.
A escola comunitária das crianças também custa dinheiro, mas como me explicou (e eu bem sei), é um esforço financeiro crucial para quem quer deixar as crianças à margem de um sistema de educação público altamente deficitário em que as greves dos professores são constantes e o ensino fica aquém das expectativas mínimas. O resto, pouco, serve para acudir à compra de alimentos, alguns medicamentos necessários lá em casa, roupa e calçado quando sobra.
Ora, esta família é no entanto uma privilegiada nesta Guiné-Bissau maioritariamente jovem, em que o desemprego atinge níveis altíssimos e, mesmo quem tem trabalho, recebe valores mensais que rondam os 23 euros.
O meu carro chegou e fui embora com a normal troca de cumprimentos e desejo de boa sorte mas com o coração apertadinho a pensar na dificuldade que é lutar por uma vida / sobrevivência com dignidade nesta Guiné-Bissau em que acabava de aterrar.
A greve da função pública que já durava há uns dias terminou com o nascer do dia
3 de Agosto, feriado nacional que assinala o massacre do Pidjiguiti, em que mais de 50 estivadores que se manifestavam por salários melhores foram reprimidos e morreram às mãos da PIDE. Nesta sexta feira 3, o governo guineense e sindicatos chegaram a um acordo para fixar o salário mínimo na Guiné-Bissau num valor que chega aos 50 euros. Parece que entra em vigor em Setembro, dentro de menos de um mês, e vai, com toda a certeza, garantir um patamar mínimo de dignidade num dos países mais pobres do mundo.
Hoje começa uma nova semana e, na cidade de Bissau, as pessoas retomam o trabalho interrompido pela greve, com a esperança estampada no rosto.
Quem sabe se na minha próxima viagem não encontro o meu amigo guarda com uma casa já equipada com casa de banho e cozinha. Oxalá!