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AO ALFREDO DA DEVESA

15 de Agosto era o aniversário do meu avô, o Alfredo da Devesa. A maior parte das pessoas que vão ler esta crónica nunca o viram ou ouviram falar dele. Mas quando cheguei à conclusão que a minha crónica seria no dia 15 não faria sentido que fosse outro o tema que não o Alfredo. Desde que me lembro o feriado era sempre passado em família a festejar esta data. Na casa dos meus avós juntava-se os filhos, filhas, noras, genros, netos, netas, primos diretos, primos afastados, amigos dos filhos, amigos dos netos, amigos dos primos, amigos dos amigos… Enfim. Já passei o 15 de Agosto com tanta gente que mesmo a mim, que a memória é boa, me custa a lembrar de todos.

Imaginem uma família típica italiana daquela de filmes da década de 60 à mesa, numerosa a comer como se não houvesse amanhã ou a comida fosse acabar (o que é praticamente impossível tendo em conta as doses abundantes com que a mesa é cheia), todos a esbracejar e a falar muito alto, conversas cruzadas uns com os outros, quando tal um sem querer entorna vinho e toda a gente ri, é alegria. Uma confusão onde ninguém entende ninguém e para se sobrepor todos falam cada vez mais alto. Uma mesa farta. Farta de comida, farta de barulho, farta de risadas, farta de amor. Eram assim os nossos 15 de Agosto. Era o que o Alfredo gostava. Mesmo nos últimos nos em que a paciência devido à idade já não era a mesma, e o nosso barulho o incomodava um pouco ele continuava a gostar daquilo. O Alfredo gostava da casa cheia.

O Alfredo era muito à frente para a sua época. Acompanhou as mudanças do mundo, sendo sempre jovem de mente. O Alfredo era magrinho, comia pouco, dizia que comia para viver e que já nós vivíamos para comer. O Alfredo era um pai que fazia tudo pelos filhos e isso não fez dele uma autoridade menos respeitável. O Alfredo chorou no dia em que a minha mãe casou porque o meu pai lhe ia tirar a menina. O Alfredo lia muito, talvez essa parte eu tenha herdado dele, e falava latim, apesar de só ter a quarta classe. O Alfredo tinha sempre as piadas na ponta da língua e fazia sempre um trocadilho com as situações que aconteciam. O Alfredo gostava de animar o pessoal. Dava tudo e era feliz com isso. Sempre que se levava alguém lá a casa passava a ser parte da família. Se era uma amiga minha passava a ter o estatuto de neta como eu. O Alfredo ia à missa e decorava o sermão de cabeça. Dava-nos conselhos sem querer se meter demasiado na nossa vida. O Alfredo não gostava de incomodar e se tivéssemos que alterar a nossa rotina por causa dele ficava incomodado por nos estar a dar trabalho.

O Alfredo deixou-nos em 2013. Foi em paz, rodeado da família e sem dar grande trabalho. Tal como sempre quis. A família ainda se vai juntando no 15 de Agosto e em outras datas também mas claro há sempre um lugar que fica por preencher. Resta-nos os retratos e as memórias de anos anteriores que vamos comentando entre nós. “Lembras-te quando o avô fez isto? E quando ele disse aquilo?” Hoje é 15 de Agosto. Se o Alfredo cá estivesse faria 92 anos. Este texto não chega nem de perto nem de longe para o homem que ele foi. Mas foi uma maneira que arranjei de lhe perpetuar a memória. Parabéns Avô.

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