Por vezes, viver aqui incomoda. Nesta grande bola azul e verde, que já tem muito do seu verde pintado de outra cor e muito do seu azul manchado. Esta mistura de cores que se completa ainda mais com os diferentes tons de pele de cada um que cá habita é, por vezes, excessiva e desgastante, fazendo-nos desejar um mundo a preto e branco como as câmaras outrora captavam. Essa realidade de duas cores nunca existiu, mas o mundo já foi certamente uma pintura muito mais organizada. Acontece que, nem todos nascemos artistas. Vão nascendo cada vez mais pessoas com pouco jeito para usar um pincel, sendo que o quadro geral feito no passado é hoje muito diferente. Repare-se que: As tempestades ambientais parecem cada vez mais assemelhar-se às tempestades internas da alma- o que, na minha opinião, não deveria ser assim tão análogo, porque me vou apercebendo que, apesar das diferenças entre as proporções do mundo e do ser humano serem bastante consideráveis, por mais pequeno que o nosso corpo seja, sempre parecemos saber lidar melhor com tempestades que o mundo na sua plenitude. Ou pelo menos tentamos. Assistimos a incêndios (a palavra que já não podemos ver à frente), sismos constantes, degelo, poluição, a preocupação repentina em relação ao plástico… uma listagem que poderia ocupar muitas mais linhas. Há quem diga que somos nós os culpados de tudo isto, enquanto que uma minoria defende, sem explicações muito plausíveis, que tudo ocorre porque tem de ocorrer, pois ninguém controla a natureza… Pobre natureza, incapaz de controlar os seus perigosos fenómenos. Se lhe tivesse sido dada a prodigalidade de tomar decisões… (Se bem que os que possuem essa ferramenta não se estão a conseguir safar muito melhor).
Além de tudo isto, é imperdoável não falar em nós. Parece-me que somos tão destruidores como a Mãe Natureza. Mas não nos culpemos. Afinal, estamos a seguir as pegadas da mãe. Mas será que é ela que nos ensina a não saber viver em conjunto? A gerir injusta e desonestamente o dinheiro? A achar mais importante ser workaholic? Desde a escola que tudo se torna uma corrida incessante por valores numéricos. Quem tem uma média mais próxima de 20 valores, quem ganha o melhor salário, quem somos de acordo com o cartão de cidadão ou o BI (Sim. Porque só somos verdadeiramente alguém se andarmos com esse número atrás para tudo o que é sítio em jeito de confirmação de existência). Publicar uma boa foto no Instagram já é rotineiro. A falta de interação social é cada vez menor (à excepção dos que gostam de se expressar e usam a rua como local para opinar o aspeto físico de alguém). Gastamos, usufruimos, não pensamos, até nos apercebermos do estado crítico a que chegamos. Damos atenção ao que queremos. No meio de problemas tão grandes, são as palavras “I really don’t care, do u? ” no casaco de Melania Trump que nos incomodam (Até parece que todos nos importamos muito…). A fome AINDA é uma realidade, a desigualdade de géneros AINDA é uma realidade, a escravatura infantil AINDA é uma realidade… Espanto-me ao escrever estes exemplos enquanto me apercebo do surgimento de muitos mais à medida que acabo de pensar no último.
Natureza e nós. É nesta mistura que vivemos. É isto a que estamos sujeitos. A planear o que fazer, a viver antecipadamente, a tomar decisões num presente que já não vivemos mormente pela sua passagem momentânea, mas sim com uma visão prospetiva que se deita sobre um futuro que queremos certo e que tanto nos consome. Será esta a melhor maneira de se viver, quando nos temos vindo a nominar seres em constante evolução e com uma capacidade respeitável de dar opiniões, aposentar criatividade na alma e inovar? Ou será isto apenas um método que assegura estabilidade?
Tudo parece demasiado complexo. Apenas isso. Contudo, neste refúgio que alguém encontrou para nós, onde tudo procura destaque pela perfeição, ainda sinto que consiga existir uma simplicidade, mesmo que imperfeita, que reina uma parte da natureza e de nós difícil de compreender. Mas é essa incompreensão de algo tão simples, que me alerta para o oposto de tudo o que escrevi anteriormente. Talvez esta crónica não tenha de ser mais uma reflexão negativa de viver. Essa simplicidade que parece estar escondida nos mais invulgares recônditos da terra pode, afinal, estar bem mais perto do que imaginamos. Pode ser o pôr do sol de hoje, o sorriso ou o olhar que trocaremos amanhã, o cheirar uma flor, o olhar o céu através da comodidade do banco de um jardim (ou da relva), o simples caminhar por um sítio ainda desconhecido…
Deixo ao critério de quem lê. Tenho a certeza de que o cérebro humano absorverá aquilo que mais lhe interessa. O que os primeiros parágrafos abordam não deve ser esquecido, mas talvez possa ser olhado com uma euforia diferente. Leiamos com atenção, absorvendo tudo e sem esquecer o que estamos realmente aqui a fazer. O que incita mais o nosso âmago, afinal? Ler um jornal repleto de más notícias, ou ler um livro do nosso escritor favorito sobre uma relva insolitamente confortável (mesmo que sujemos as calças)?