Sendo enfermeiro de pediatria e cuidando de crianças com doença crónica, apraz-me abordar numa reflexão sobre a consciencialização das emoções que emanam de todos os intervenientes deste processo de cuidar.
A doença crónica, segundo a Organização Mundial de Saúde, é uma doença permanente, produzindo incapacidades e/ou deficiências residuais, causadas por alterações patológicas irreversíveis que exigem uma formação especial do doente para a sua reabilitação e exigem longos períodos de cuidados e supervisão.
Em pediatria tem-se assistido ao aumento do número de crianças com doenças crónicas abrangendo diversos sistemas orgânicos e, não descurando todo um conjunto de sintomatologia física, decidi abordar a temática das emoções que emergem dessa alteração de saúde. A doença crónica afeta em simultâneo a criança, a sua família, a comunidade onde esta se insere, os profissionais que cuidam e a sociedade em geral.
Não somos capazes de ficar indiferentes ao sofrimento de uma criança considerando que não é natural a morte de uma criança antes dos seus pais pela rutura do ciclo natural da vida, porém são situações que acontecem diariamente e nos afetam direta e indiretamente.
Todo o processo de doença é responsável pela expressão de inúmeras emoções e sentimentos que medeiam as nossas atitudes e comportamentos, sendo cada vez mais necessário a consciencialização do que se sente e encontrar estratégias de adaptação para lidar com o turbilhão de emoções que nos envolve e interfere com o nosso bem-estar.
Neste artigo irei abordar a questão emocional em casos de doença crónica referindo-me separadamente aos intervenientes no processo de cuidar, ou seja, criança, família, profissionais, comunidade/sociedade.
A perceção da doença está relacionada com a faixa etária da criança o que se irá traduzir um diferentes emoções e diferentes formas de sentir, perceber e lidar com a doença. Nos recém-nascidos, encontrando-se a desenvolver as suas capacidades emocionais, o choro é uma das melhores formas de perceber o seu estado emocional, traduzindo o desconforto, a dor, a fome e que acalma com o toque, o colo, o aconchego. Nesta etapa de vida é fulcral o estabelecimento de vínculos fortes, coesos que permitam um entendimento profundo de toda uma comunicação emocional.
Ao longo do crescimento infantil, as crianças percebem que estão doentes e clamam por explicações, por justificações para o seu estado e aceitando a sua situação, são elas que muitas vezes são a fonte de conforto, força e energia para os adultos seus cuidadores. Quantas vezes não ouvimos uma criança a dizer aos seus pais para não chorarem pois irá ficar tudo bem, irá melhorar e para eles não ficarem tristes!
A criança consciencializa o seu estado de doença e gere as suas emoções numa constante tentativa de equilíbrio entre o que lhe pertence e o que está em seu redor. É uma altura que que os sonhos são transformados mediante o horizonte que a criança visiona para si e para as pessoas com quem se relaciona. Nesta fase da vida há a expressividade franca e genuína de todas as emoções nos momentos de sofrimento e nos momentos de alegria após uma melhoria, uma recuperação, um sinal de que tudo irá melhorar.
A família, desde a nuclear à mais abrangente, é um dos grandes focos de atenção pela sobrecarga emocional, pois transferem para si as emoções dos filhos, dos restantes membros da família, dos profissionais incapazes de lidar com a situação. São também o pilar dos cuidados através da sua colaboração ativa e participativa na tomada de decisões, na prestação de cuidados diretos e principalmente na gestão emocional dos seus filhos.
É necessário olhar para estas famílias além dos laços familiares, mas sim como seres humanos únicos que necessitam de serem cuidados, de apoio na gestão das suas emoções. Quando a família é exclusivamente considerada como um organismo único somos incapazes de reconhecer sinais de rutura, de cansaço, pois limitamo-nos a encarar os familiares pelo seu papel de mãe, pai, tio, irmão em vez de os olharmos holisticamente para quem são como indivíduos.
A família tem duas facetas ao expressarem o que sentem, ou são muito efusivas e frontais ou escondem os seus sentimentos mostrando barreiras e defesas que os classifiquem como fortes, para que sejam considerados verdadeiros pais. Este sentimento de força é uma máscara utilizada constantemente, pois é nessa altura em que a família está muito necessitada de apoio, de estabelecer uma comunicação direta sem juízos de valor!
Os profissionais de saúde, esta vasta equipa multidisciplinar, foram em grande parte ensinados a esconder as suas emoções, a não demonstrar os seus sentimentos porque iriam afetar os seus cuidados, a forma como lidavam com as situações problemáticas, com as pessoas. Puro engano este ensinamento académico sobre o esconder e fugir das emoções!
Ao lidarem com crianças com doença crónica, as equipas de saúde, vivenciam sentimentos de fracasso pela incapacidade de fazer mais e melhor, frustração e em muitos casos transferem esses sentimentos para a sua vida pessoal, comparando a criança doente com um familiar.
Para lidarem com estas situações e relembrando o que aprenderam durante a sua formação, estabelecem barreiras defensivas que impedem mostrar as suas emoções no momento adequado em que as mesmas devem ser expressadas. Outros profissionais encontram estratégias fora do local de trabalho para vivenciarem os sentimentos associados aos seus processos de cuidar.
O que se tem assistido em muitos casos é a desvalorização dos sentimentos dos profissionais, pois como não os demonstram nem expressam, são considerados como tecnicistas, quando na verdade são seres com tanto para expressar, mas incapazes de o fazer genuinamente
A gestão de emoções deveria ser um campo de trabalho nas unidades de saúde para que todos os intervenientes nos cuidados parassem e refletissem sobre o que sentem, porque sentem e o que fazer com esse turbilhão de sentimentos! As emoções devem ser partilhadas, vividas, em conjunto com a família, com a criança, demonstrando a nossa disponibilidade, a nossa essência tal como ela é, sem capas nem defesas.
A própria sociedade/comunidade onde a criança está inserida vivencia emoções que são muitas vezes desvalorizadas pela ausência de laços familiares e afetivos restritos, mas mesmo um estranho que more num bairro sente a dor de uma família com que algures se cruzou um dia. A preparação desta comunidade para a receção da criança aquando a sua alta é fundamental para não sejam criados sentimentos de discriminação, de preconceito, nem juízos de valor sobre questões tão intimistas e pessoais.
Porquê falar de emoções se todos as sentimos? Qual a necessidade de falar neste tema, se por si só é motivo de sofrimento, de tristeza, até para os desconhecidos?
Somos todos seres humanos com as nossas emoções, com as nossas experiências de vida e não temos qualquer interruptor onde possamos carregar para desligar e voltar a ligar consoante as situações que nos surgem pela frente.
Sentimos a cada momento e torna-se cada vez importante a consciencialização do que sentimos atribuindo uma forma, um corpo, uma expressão! As emoções distinguem-nos e criam a nossa individualidade, pois mesmo com situações similares vivemos emoções totalmente diferentes, única e exclusivamente nossas.
Em casos de doença crónica infantil, há emoções que serão sempre vividas de formas totalmente distintas pelos vários intervenientes e é necessário um trabalho intensivo para aperfeiçoar a expressão das emoções, dos sentimentos. Só assim será possível estabelecer relações mais sólidas, com laços coesos limando as arestas que em alguns casos dificultam a prestação adequada dos cuidados de saúde.
Todos nós, em diferentes momentos, somos intervenientes diretos ou indiretos de situações de doença e temos o dever de nos tornamos agentes conscientes de mudança para que expressando genuinamente o que se sente, se crie um ambiente de aceitação, inclusão e companheirismo.
O ato de sentir é inerente ao Ser Humano, porém a forma como expressamos esse sentir é única e exclusivamente da competência de cada um de nós. “