Ouve-se muitas vezes falar de espaço próprio, mas habitualmente é considerado na dimensão física, na distância de segurança corporal. Não permitimos a toda a gente a entrada nesse metro, e muitas vezes
vemos como inconveniente a passagem dessa barreira, sobretudo por pessoas que não nos são íntimas, ou de cujas intenções podemos não estar seguros.
Nos últimos tempos tenho sido confrontada com diversos outros tipos de distância, não tão mensuráveis como este, mas talvez mais graves e importantes. Quão intrusivos somos muitas vezes nas vidas dos outros, ainda que sem malévolas intenções? Ou pelas razões mascaradas de interesse, mas fruto de inseguranças várias ou até alguma ira pela desconsideração do outro que não nos conta cronologicamente a sua vida?
Recordo situações como a mãe que se impõe numa consulta da filha, ainda que adulta, sem que a presença tenha sido requerida por esta última? Ou outras, em que nos julgamos livres de perscrutar o dia do outro, as chamadas, as conversas, ou mesmo os pensamentos mais íntimos?
Mas não é disso que pretendo falar hoje.
Como alguns saberão, comecei há pouco tempo a minha aventura no mundo do escrevinhar. Essa situação tem-me permitido conhecer bastantes pessoas com o mesmo interesse, umas pessoalmente, outras virtualmente. Eu própria já pedi amizades a algumas pessoas, ou porque gosto do seu trabalho, ou
porque tive o prazer de com eles trocar algumas palavras ou porque são organizadores de eventos do meio. Não vejo qualquer mal nisso. A pessoa tem sempre a hipótese de não aceitar, portanto não me parece intrusivo. Também tenho recebido alguns pedidos. Vamos conhecendo os amigos dos amigos, e parece-me natural este alargar da amplitude. Parece-me relativamente comum que procuremos pessoas que partilhem os mesmos interesses, e desde que não se seja impróprio no trato, as redes sociais são um meio de conhecimento como qualquer outro. Conheço casais duráveis que se conheceram dessa forma, como conheço também quem se tenha conhecido em discotecas, e se calhar não lhes auspiciaríamos tal sucesso. Em tempos só aceitava pedidos de amizade de quem conhecia efectivamente. Depois de me iniciar neste meio, abri um pouco o critério, dado que normalmente no seu perfil a pessoa desvenda os seus interesses literários, ou é amigo de alguém conhecido. Mas há surpresas, como aqueles que não parecem ter nada em comum, às vezes nem foto de perfil.
Relembro-me duma amiga que quando se divorciou achou por bem deixar público que tinha filhos, colocando uma imagem embonecada dela e do seu crianço, como defesa contra potenciais engatatões. Enganou-se, teve até o efeito contrário. Outro amigo meu, sabidão, deu a explicação fácil: ao fim do
dia vai para casa, não chateia muito, tem filhos para tratar, tem casa e vida própria. Optimo isco para o lazer, portanto.
Depois há os que mandam pedido de amizade, e assim que aceitamos levamos logo no minuto seguinte com um convite para gostar da pagina Bolos e Bainhas. Como até tenho uma página para a troca, não me preocupo.
Há também quem pareça estar a preencher uma caderneta, e vá adicionando perfeitos desconhecidos, com quem não tem qualquer contacto, só para ver alargado o número de amigos. Ou tipo catálogo de fotos, portfolio, não sei. Desculpem, mas de facto só me ocorre aquela obsessão masculina pelas dimensões. Qual é o interesse???
Mas aqueles que, aparentemente sem qualquer critério, disparam mensagens pretensamente sedutoras de baixo nível, sem que haja manifesta disponibilidade do interlocutor, ou algo que visualmente o denuncie, são um mistério. Há locais , há grupos especificamente para isso. Ora, a menos que o receptor seja uma beldade estonteante, ou alguém com visibildade a qualquer nível, não consigo perceber o fascínio.
Há ainda os dependentes. Num dia fomos simpáticos e comentamos qualquer coisa, e partir daí recebemos mensagens 4 vezes por dia, a pedir-nos opinião sobre o apelo que criou, ou enviando-nos fotos ligadas a um evento, ou a confidenciar-nos intimidades, e a tratar-nos por amiga na 2ª frase.
Há dias em que fico assustada, não por questões de segurança efectiva, mas pela tristeza que isso me causa. O invadir da vida alheia, a solidão existente, o controlo do outro, os perfis falsos. É uma amostra da vida, afinal. Claro que temos sempre um botão de bloqueio disponível, mas até chegar lá somos confrontados com as tristezas mundanas, e criamos alguma intolerância com o desconhecido, podendo
mesmo fazer pagar o justo pelo pecador, e ignorar pessoas válidas.
A questão é tal, que se por acaso pararmos num semáforo e o condutor do carro ao lado nos sorrir, o mais provável é olharmos instintivamente para o outro lado, que sabe-se lá que maluco é esse que nos
sorriu sem nada nem porquê. Ao que chegámos…
Temos o hábito de dizer que as pessoas não vêem limites. As pessoas somos todos nós. Todos nós já fomos intrometidos, uma vez ou outra.
Mesmo que não tenhamos intenção. É como aquele clássico do: és teimoso como o teu pai. Os defeitos não são sempre dos outros, como os comportamentos inconvenientes, afinal, também não…