Já falei de Varela aqui neste espaço, a bonita praia que fica em Casamansa, na fronteira da Guiné-Bissau com o Senegal.
São 5 horas de viagem desde Bissau, mais pela degradação da estrada do que pela distância, mas que valem a pena. Vale a pena este passeio que atravessa rios, campos pintados de cajueiros e mato cerrado e nos leva uma picada de 57 km rodeada de extensa vegetação, onde por vezes ratos palmares (uns parentes próximos dos esquilos), macacos e bonitas aves nos cortam o caminho e a respiração e nos vemos rodeados de água que banha as raízes dos tarrafes com os cibes (palmeiras) a pintar o horizonte.
Mas hoje venho partilhar um outro segredo que Varela guarda, para além da praia paradisíaca. Ali, à entrada da povoação, há um muro que guarda um pequeno tesouro: a casa e a cozinha do Franco, um italiano que se apaixonou irremediavelmente por uma luso-guineense e, por arrasto, pela Guiné-Bissau, onde vive há quase duas décadas, agora só com a sua filha Valentina.

O Franco e a sua falecida Fá criaram ali um espaço simples, mas de enorme bom gosto onde os turistas podem pernoitar e sabem que terão à mesa, na certa, um prato de massa fresca saída das suas mãos a anteceder um pitéu carne ou de peixe de qualidade inegável. O peixe sai diariamente do mar diretamente para a cozinha deste italiano, trazido pela manhã pelas mulheres dos pescadores assim como as gazelas, caçadas no mato pelos felupes seus vizinhos, a cabra ou o frango, e ali são tratados com a arte e o tempero quem faz da cozinha um ato de amor.
Falta-nos hoje, reconheço, a exuberância da Fá naquela casa a encher o ar com as suas gargalhadas e o seu português vernáculo que dela nos chegava com a elegância das palavras mais rebuscadas e nos proporcionava tardes e noites inesquecíveis debaixo do mangueiro onde ainda hoje se come com a companhia de umas Cristais “estupidamente frescas”. Mas temos ainda a alma da cozinha, e essa mantém o entusiasmo e a qualidade de outros tempos, sempre com o sorriso tímido do Chefe, homem grande e de enormes olhos cor do oceano.
Em Varela o relógio não marca o passo. É o Franco e a natureza. Almoça-se quando toda a gente chega da praia, janta-se com o cair da noite, depois de um Gin Tónico a tonificar os corpos maçados de um dia de sal e areia. De manhã, acorda-se ao nascer do dia com o bulício da tabanca. Os galos que cantam, as cabras que passam apressadas a balir, as crianças que brincam e correm com gritinhos de alegria.
Ao domingo, é da praxe comer ostras debaixo do mangueiro seguidas de umas deliciosas pizzas feitas no forno a lenha. Para terminar as refeições há sempre um mimo, uns doces caseiros saído das suas mãos, alguns deles uma verdadeira perdição (ou perfeição?) como o bolo de chocolate, irresistível mesmo para quem é pouco apreciador de doçaria. Como eu. E o Chefe Franco, depois de um dia de trabalho, recolhe tímida e sorrateiramente mente ao seu espaço, tudo fazendo para ninguém dar por ele. Como se fosse possível, depois de nos provocar desta forma o paladar!
E nós deixamo-nos ficar, ao som da música escolhida pela Valentina para adoçar as noites frescas de Varela, debaixo do colmo do bungalow onde se conversa sobre tudo e sobre nada, até o sono nos levar aos quartos. Sempre sem horas.
Varela é um paraíso natural e gastronómico escondido que merece uma visita, pelas suas águas cálidas e praias desertas com palmeiras quase a tocar as ondas, mas arriscaria dizer, sobretudo pelo exotismo deste cantinho onde o Franco e a Valentina nos recebem com a simplicidade e o amor que fazem dos dias nesta aldeia remota do país uma experiência memorável.