– Penso, logo existo, Je pense, donc je suis, Cogito, ergo sum…três formas de dizer a mesma verdade…e todavia, que tem ela a ver connosco, homens e mulheres do século XXI?
– Tudo, meus senhores, tem tudo a ver. O cartaz aparece no centro daquela manifestação em Paris, organizada como forma de protesto contra o terrorismo, não é verdade?
– Sim, percebe-se razoavelmente.
– Foi uma manifestação de homens, quero dizer, de seres humanos; e, ao que sabemos, a marca distintiva da nossa comum espécie é a capacidade de pensar…somos seres dotados de razão! E essa alegada racionalidade permite-nos…
– Saber que existimos? Mas isso não é demasiado pouco?
– Talvez não pareça muito, realmente, queremos sempre receitas mais pomposas, conceitos mais complexos, ideias mais profundas…mas pensemos um instante: nós, humanos, sabemos que existimos, se mais não formos capazes de desvendar, ao menos temos consciência de que somos…
– E de que vale isso?
– Para Descartes, foi o ponto de chegada após a dúvida hiperbólica e radical – a terceira parte do Discurso do Método, mostra a que ponto Descartes se abalançou nos territórios da dúvida – representou o momento em que o filósofo bateu na cabeça e soltou uma espécie de Eureka! : alto lá, eu penso, mesmo quando duvido, penso, mesmo quando me engano, penso, mesmo quando falho, penso… e como pode realmente pensar, alguém que não exista?
– Um momento, um momento! Sendo assim, a frase não deveria ter sido: “Existo, logo penso”?
– Boa pergunta, denota a atenção com que segues o diálogo! Aparentemente, assim é. Mas de facto, ao nível do pensamento (recordo que Descartes se tinha isolado totalmente para meditar e, pela dúvida metódica…
-Metódica?!
– Sim, uma dúvida que, apesar da radicalidade enunciada, não tem o caráter cerrado do cepticismo, pois foi usada pelo filósofo para se destruir a si mesma e logo como caminho, ou método, para chegar à verdade! E então, no extremo dessa dúvida, em que nem o corpo, nem os sentidos, nem a existência, nem a razão, nem os pensamentos – ou seja, as bases do conhecimento, os suportes de todo o saber e de toda a consciência que nos define enquanto seres – tinham qualquer credibilidade, o filósofo descobre, no auge de uma verdadeira intuição, este enunciado, assim mesmo, sem qualquer antecedente a não ser a duvida radical – Penso, logo existo. Sendo assim, enquanto duvidava ( e duvidar é pensar) Descartes percebeu a ligação inextrincável entre as duas realidades – o pensamento e a existência – e juntou-os numa única formulação.
– Bem…e daí?
– Daí que, como homem prudente a assisado que era, tenha compreendido, de imediato, a reversibilidade da “equação”, visto que, como ele mesmo diz, logo a seguir, para pensar é preciso existir.
– Então, em que ficamos: “Penso, logo existo” ou “Existo, logo penso”?
– Da primeira nasce, inevitavelmente, a segunda. Simplesmente, foi o exercício de pensar que desencadeou a verificação do filósofo e, só depois, o indivíduo existente e concreto percebeu que para pensar é preciso existir.
– Então, teremos que admitir aqui a existência de dois planos: o do pensamento em que primeiro se descobre o Penso, e logo, o Existo, e o plano da existência, em que se torna evidente que para pensar é preciso já existir..

– E afinal, o que podemos dizer acerca do valor prático desta verdade…circular?
– Podemos, efetivamente, dizer muito. Se enquanto existente, penso, estou no mundo com uma capacidade de extrema importância, visto que tenho o discernimento de me entender, enquanto existente e de entender o mundo e os outros homens enquanto são , respectivamente, o nosso habitat e os nossos semelhantes.Então, tenho a obrigação, inerente a mim próprio, de me respeitar enquanto ser, que pensa e existe, e de proceder de igual modo relativamente aos outros que admito também pensarem e existirem…
– Terá sido por isso que escolheram a frase de Descartes para aquele cartaz, naquele acontecimento?
– Especulando um pouco, poderei dizer que o facto de estarem ali, todas aquelas pessoas – seres pensantes e logo existentes – em protesto por causa de um atentado terrorista levado a cabo por homens – seres pensantes e logo existentes – possibilitaria, se acaso alguém lhe tivesse prestado atenção (eu prestei) entender que nada justifica perpetrar atentados, fazer a guerra…porque somos todos idênticos, na nossa comum realidade existente.