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Cultura, Literatura e Filosofia

A MORTE MORRE-ME NAS MÃOS

I

Dá-me qualquer coisa para morrer. O tempo não me mata, as minhas mãos tremem com a espingarda, os meus olhos não secam. Deixo-me cair descontente, sem forças… a morte está mesmo certa, está de frente…

II

Há passos e pessoas. O silêncio tem tudo isso…

As beatas de cigarro crescem no cinzeiro.
O vinho escassa e a voz sufoca.
O revólver Taurus tem um cartucho no cilindro.
A casa está vazia e os meus olhos encharcados de lágrimas.
Que Deus me perdoe…

 

III

Queria ser grande. Ver o horizonte da colina sob uma lua sem limites. Percorrer todos os lugares que li em livros de amor. Ouvir as cigarras, aquecer-me de sol. Queria tanto ser diferente. Cheio de cores e sonhos, sem tempo cru e histórias que fazem chorar. Queria ser o quase nada e depois ser tudo, sem flamejantes dores, sem um único cadáver e sem lágrimas.
O que tenho eu de tão estranho? Sou um homem completamente ingénuo, de olhos silenciosos, de sombras e fumos, de passos perdidos em ruas falsas. O que morrerá comigo, quando eu morrer? Eu, ou seja, nada.

 

IV

Há uma porta de armário, à pressa uma culpa, com medo um amor. Mas de maneiras bem diferentes. Alguém com mais sorte e mais amor do que eu…

V

Amar, amar e amar. Passa-se aqui muito tempo.
Tempo que morre com o passar do tempo.
Amar, amar e amar nada foi.
Amealhar cicatrizes não se tornou uma prioridade.
(Amar pela liberdade torna-me prudente.)
O que não falta aí é amor sem tempo.
Amar, amar, amar, amar, amar, amar, amar, amar…
morrer.

 

VI

Viu-se ao espelho. (O inútil reflectido.) Na realidade, ele é feio. Sentia-se feio. Ele sabe que é feio…Os olhos esmoreceram cheios de raiva e sem uma única conquista. É feio. Um rosto feio, lúgubre…Feio.
(Eu também sou feio. É só isto que nos espera, a beleza feia dos outros… outros que têm corações abarrotados de amor.)
VII

Sábado. Uma manhã sem sol. Sozinho.
Pegou num livro e acendeu um cigarro. Sentia-se sufocado, vulnerável. Precisava de arranjar justificações de nada que fundamentassem o passado de tudo. Estiveram juntos durante três anos; encaminharam-se sonhos, pedidos e certezas que não trouxeram nada. O amor arrefeceu e acabou por morrer, tudo mudara… Fim.

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