A estória que irei contar-vos tem tanto de irreal como de surreal. Se a ouvisse da boca de alguém acharia que não passaria de mera ficção para captar a atenção dos mais incautos.
Eu, um simples vigilante numa empresa multinacional, vivia os meus dias sempre iguais. Entrava ao fim da tarde, libertava o porteiro, apontava matrículas e realizava rondas com intervalos de apenas duas horas, numa cadência repetitiva e desinteressante.
O cansaço acumulava-se, as minhas férias estavam a chegar e aquela primeira semana de agosto seria a tão ansiada semana que as precederia.
A Carla, empregada de limpeza que todos os dias se despedia com um simples “até amanhã” resolveu, naquele dia, estacionar o corpo roliço na portaria.
Estava apaixonada. Contou-me tudo sobre Manuel, o seu amado. Como se aproximaram, a forma como sorriam distantes, trocando fugidios olhares, os comentários dos colegas dele, empurrando-o para ela, e as provocações que estes endereçavam a Carla, empurrando-a para ele.
Os dias foram correndo, a paixão crescendo, a distância encurtando, os olhares se fixando até ao dia em que as bocas se colaram, por pouco tempo.
No dia seguinte, ele partiu de férias deixando-a apaixonada e ansiosa pelo seu regresso.
E assim, de magia nos olhos, permaneceu contando-me cada pormenor. Já lá iam duas horas e eu, cedendo ao cansaço, fingia interesse.
Pelas 00h00 iniciava-se o turno da noite e ela ainda lá estava, contando-me de brilho nos olhos, cada pormenor daquele amor que brotou. Pelas 23h00 chegou o primeiro trabalhador nocturno. Chamava-se António e logo cuidou de perguntar-nos se sabíamos da novidade.
Respondemos negativamente e de modo frio, desconhecendo a paixão avassaladora que rompeu durante o mês de julho entre Carla e Manuel, respondeu:
– O Manuel morreu!