Entrou em vigor no dia 3 de Setembro a Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género, da expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa.
Parece-me que a lei tenta dar termo ao velho hábito de se dizer a uma rapariga “isso são coisas de homens”, ou de se usar a expressão “isso são coisas de mulheres” para censurar a atitude de um rapaz.
A recente lei vem revogar grande parte da Lei n.º 7/2011, de 15 de março, que criou o procedimento de mudança da menção do sexo e do nome próprio no registo civil e alterou o Código do Registo Civil, mantendo em vigor o seu artigo 5.º.
Na vigência Lei n.º 7/2011, para se requerer o procedimento de mudança da menção do sexo no registo civil era preciso ser maior. Agora, as pessoas de nacionalidade portuguesa e com idade compreendida entre os 16 e os 18 anos podem requerer a mudança da menção do sexo e do nome próprio no registo civil, através dos seus representantes legais.
Mas a principal diferença entre a Lei n.º 7/2011 e a Lei n.º 38/2018 é que a primeira exigia que o requerente apresentasse um relatório que comprovasse o diagnóstico de “perturbação de identidade de género”, o que a lei designava como transexualidade.
O relatório deveria ser elaborado por uma equipa multidisciplinar de sexologia clínica em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro.
Ou seja, para mudar a menção do sexo no registo civil, a pessoa tinha que comprovar clinicamente uma perturbação de identidade de género.
A nova lei atribui legitimidade para se requerer o procedimento de mudança da menção do sexo e do nome próprio às pessoas cuja identidade de género não correspondam ao sexo atribuído à nascença, sem rotular como uma “perturbação” tal identificação social.
Mas afinal, qual a distinção entre sexo, identidade de género e orientação sexual?
Sexo é definido pela combinação dos cromossomas com o órgão genital.
Identidade de género é a maneira como cada pessoa se vê e se identifica na sociedade e pode não ter a ver com o sexo de nascença ou com a orientação sexual.
Orientação sexual indica para onde está orientada a sexualidade da pessoa, ou seja, pelo que o indivíduo se sente atraído emocional e sexualmente.
À luz da Lei n.º 38/2018, uma pessoa que nasceu com o sexo masculino (macho) pode identificar-se com o papel social do sexo feminino (fêmea) e requerer a mudança da menção do sexo e do nome no registo civil, independentemente da sua orientação sexual.
Para alterar o nome próprio e a menção do sexo nos seus documentos de identificação, não é necessário que a pessoa mude o sexo com que veio ao mundo.
A lei vem ainda salvaguardar o direito do menor intersexo, ou seja, de quem nasce com gónadas com características biológicas intermediárias entre os dois sexos ou com o aparelho genital não condizente com o tipo cromossómico.
Como uma das medidas de proteção, a lei estabelece que o Estado deve garantir, a quem solicitar, tratamentos e intervenções cirúrgicas destinadas a fazer corresponder o corpo à sua identidade de género.
A lei determina também que o Estado garanta a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de ensino, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género.
Resta-nos saber, para além de todas as dúvidas e preocupações suscitadas por essa matéria, se o Serviço Nacional de Saúde e o Ministério da Educação estão preparado para o cumprimento efetivo da lei e se as conservatórias de registo civil irão cumprir os prazos estabelecidos.