Mas quem foi que matou quem?
O que julga que matou
ou o que parecendo estar morto
afinal na sua morte
matou o que o tinha matado?
Ou será que ninguém matou ninguém?
Ou será que não era preciso matar ninguém
porque tudo estava morto
mesmo antes de nascer?
Ou vivo antes de viver?
Ou semi-morto e semi-vivo,
semi-fantasma semi-realidade,
esta frustração hedionda e idiota
de tudo ser semi,
infinitamente semi
logo impossível
na sua possibilidade fantásmica e fantasmática?
Afinal onde tudo gelou,
só o fantasma aquece
porque é aquecido.
E falar de mortos e de assassinos
é a imbecilidade dos que estando vivos
repudiam a vida
na sua não-vida
na não existência de existir um céu azul
que nos faz respirar fundo de júbilo
e provar que temos pulmões e células e outras coisas mais
suficientemente fortes
para que inventemos a emoção do azul
o eflúvio do verde
a girândola do arco-íris
cuja obsessão me pertence
é minha
tenho direitos intrínsecos a tê-la
a fruí-la
e a repeti-la
tantas vezes
quantas for meu desejo
arco-íris
arco-íris
arco-íris
Hoje
não desejo escrever mais esta palavra
mas amanhã,
amanhã,
no futuro
ou quando acabar o tempo
e novas constelações irromperem do negrume
(de meias de cetim
provavelmente)
estarei lá
com a minha íris
e com o arco da minha flecha
para apontar à nuvem
que esguichara tormentas
de loucura dionisíaca.