O dinheiro será realmente mais do que um pedaço de papel impresso?
Conceptualmente, a emergência do dinheiro (qualquer instrumento de troca por moeda oficial, controlado por órgãos públicos reguladores) não depende da autoridade central ou governo. É, por si só, um bem escasso. Depende do mercado da troca e da credibilidade de crédito de cada um.
Se o dinheiro serve para troca de produtos ou serviços, então estes produtos ou serviços também substituem o dinheiro.
Também podemos substitui-lo por vales, cheques, recibos, passes, vouchers. Tudo representa o poder da troca em época de escassez e tentativa de monopolização centralizadora do “poder”.
O poder está em muitas coisas. Por exemplo, a empresa multinacional mais antiga, e produtiva, do mundo é a religião (permitam-me o plágio de que tanto se fala nos livros de gestão).
É a organização mais rentável, com mais sedes e filiais, com mais investidores, colaboradores e voluntários do mundo. A que melhor se integra nos diversos sistemas políticos e governamentais, suportada na fé num homem que, com todo o respeito, morreu faz séculos.
O capitalismo é uma versão não muito diferente da religião. Mudam o nome de Deus para Administrador, de crentes para investidores. Numa o produto é a fé. Na outra o consumo. Ambas criam necessidades. Ambas nos fazem crer que precisamos delas para vivermos bem. Ambas nos viciam, nos formatam, nos desviam em prol da missão de cada um.
A maioria pede fidelização: crentes, clientes, membros ou associados.
No fim: vendem alguma coisa. Ambos pedem dízimos. Ambos se alimentam da carência ou falta fé.
Com isto não quero dizer que sou contra a religião ou capitalismo. Mas, sim, entendermos e aceitarmos quem não se assume como crente – na religião ou capitalismo – não significa, necessariamente, ter perdido a fé ou a humanidade.
O problema não é, nem nunca foi, o dinheiro. Mas sim o poder que damos a esse pedaço de papel. E acharmos que são todos muitos diferentes. Quando na realidade, digo eu, são todos sistemas diferentes, e válidos, que nos ajudam a manter de pé.
Ambos nos dão uma quota do sistema económico, para que individualmente os administremos, e a liberdade de escolhermos para onde transferir a nossa parte privada. No sistema financeiro o poder não está em quem tem mais notas, mas sim em quem tem maior capacidade de endividamento. Maior credibilidade na sociedade.
O dinheiro vem também substituir a descrença num sistema de apoio mútuo: via a economia da dívida, troca, cooperação e confiança.
O verdadeiro poder nem sequer está na nota, mas sim no perfil de personalidade que cada um de nós dá a conhecer.
Então porquê o dinheiro ser em papel e não, por exemplo, em criptomoeda? Porque é que gastamos fortunas a gerir a transferência deste poder que se baseia tanto na ideia que o outro tem de nós?