Era zeloso e meticuloso. Começava com a sua água com limão. Gargarejava e expelia três vezes. Perguntavam-lhe o que fazia assim de pé logo de madrugada. Respondia com o seu típico ar sereno que se purificava. O pequeno-almoço era tomado logo meia hora depois. Lentamente, mastigava os líquidos com o tempo que os outros usavam para comer os sólidos.
Era cuidadoso com os seus horários de alimentação e tinha de cumprir com as suas caminhadas diárias. Os dias de chuva eram os piores por isso dobrava delicadamente os joelhos, espreguiçava-se, esfregava as mãos e depositava o calor nos olhos como se lhes desse lustro, brilho, ritmo, sorriso. Se espirrasse três vezes tomava logo um chá de uma mistura de várias ervas, entre as quais o sabugueiro. Era audaz em termos de manuseamento de ervas e rápido a decifrar qual a maleita e o chá adequando à sua cura. Também conhecia os óleos essenciais, os quais usava para ouvidos tapados, dores de pescoço ou ombros doridos. Era também um excelente pescador de amêijoa gorda e achigã que acompanhava com grandes quantidades de vegetais e cereais que cultivava.
Mostrava vivacidade num corpo já velho. Aos 85 anos, antes de anoitecer, corria pelos caminhos estreitos dos pinhais de Dornes, passava pela igreja medieval, e apreciava no final de tal exercício a luz a encolher, percorrendo na sua cabeça todos os chakras e activando-os em calmaria, sobretudo o verde do coração e o azul da consciência. Não sabia o nome dos pontos energéticos, apenas lhes dava os nomes de raízes, terra, pedra, pinhal, rio, sons de pássaros e céu.
Depois um não passo para contemplar. Rodeado de cores mansas e recantos parava e inspirava ar e beleza. Mais tarde haveria de ser também por esta região, não muito longe de Dornes, em encanto e iluminação, que Alfredo Keil escreveria a música do hino nacional “A Portuguesa”.
Voltando ao meu avô, ninguém sabia o que fazia ele todos os dias nos seus 10 minutos de ausência quando seguia para o lado esquerdo da casa, para lá do seu muro de pedras, junto aos pinheiros altos de corcódia grossa. Achavam-no estranho em todos os sentidos. Certo dia segui-o e vi-o cercado de calma e alegria, e só agora, neste vento sossegado da sua terra, entendo que meditava.
Luís, Ferreira do Zêzere, 1930.
Até que ponto somos assim tão avançados?
Adorei esta crónica. Dá que pensar: realmente, achamo-nos tão avançados…