Certo dia o Inesperado bateu à porta do Improvável, trouxe com ele aquele baque surdo que costuma acompanhar um adventício e retumbante fracasso.
O Improvável, sacudido por esse primo do imprevisto que ali chegara sem embaraço, caíra da espreguiçadeira e estatelara-se no chão encardido com as manchas incapacitantes por anos de inércia.
O improvável expectava uma vida tranquila, na confortável segurança de algo que , estatisticamente, não aconteceria no seu tempo de vida.
Afinal já nesta sociedade se espreguiçava há anos, bem como os seus ascendentes que nunca tiveram a visita indesejada do extremismo e do terror.
O Improvável, apavorado e inexperiente, começou a sentir uma arritmia, o sufoco da impremeditação.
O Inesperado, altivo, sereno e confiante, estendera-lhe a encomenda.
– Mas isto não é meu, não encomendei nada disto! Vociferou o fragilizado e pobre cidadão.
– Não venho ao engano, isto é o seu produto, resultado de longos tempos de imprudência e comodismo. Sua legítima e devida aquisição.
– Que afronta! Isto não era suposto acontecer! Nunca sucedera antes! O que faço com isto? Que vai ser de mim?
O Inesperado soltou um leve suspiro.
– O minha função é entregar-te esta carta e a tua, passa-la ao teu vizinho do lado. Só ele terá autorização para a abrir e ler o seu conteúdo na presença de todos.
– O Impossível!? Em tempo algum alguém se atreveu a bater-lhe à porta! Aliás todos sabem que jamais transpuseram a sua ombreira.
– Eu acompanho-te! Despe lá o roupão, larga as pantufas e veste o teu melhor fato.
(com dificuldade o Improvável enfiou-se no fato desproporcionado e antiquado, sacudindo uma ou outra traça que ali prosperara)
Chegados à imponente frontaria da casa do Impossível, não encontraram campainha, nem sino, nem batente.
Afinal quem poderia querer falar com aquele que nunca será, fará ou acontecerá?
O Inesperado pouso a mão no ombro do Improvável e murmurou
– Força. Estou contigo.
– Por Deus o que queres que eu faça?
O Inesperado baixou o olhar e fitou uma pedra que ali jazia na calçada
– O quê?! E tu esperas que eu faça isto?
Sou apenas o Inesperado, e tu, o Improvável…
Num instante a pedra voou e embateu numa janela estilhaçando o vidro.
De rompante, a porta da casa escancarou-se, irrompendo, irado e poeirento, o Impossível.
– Quem ousou atingir o Impossível?
O Duo retorquiu então em uníssono
– O Inesperado e o Improvável.
Estupefacto, boquiaberto, e contudo rendido; o Impossível convidou-os a entrar.
Ficaram ali os três a contemplar-se de alto a baixo. Eram sem dúvida, a trindade da própria existência; de toda a ocorrência.
O Impossível nada questionou, incorporou o momento e estendeu a mão.
O Improvável entregou a envelope que o anfitrião abriu num rasgo. Retirou o seu conteúdo que leu em voz alta:
“O Improvável apenas ocorre quando o Inesperado surge; e o Impossível atingindo quando ambos se conjugam.
Por isso, nunca te acomodes às probabilidades.
Reivindica! Marcha! Age!
Só assim irás comprovar que o Impossível, afinal, sempre esteve ao teu alcance”
A partir desse dia, o povo quieto… despertou.