Anuncio-vos que vou de férias.
Sim, agora que todos voltaram de vez, depois dos verões, do retorno à escola e dos calores fora de tempo. Agora que vêm todos mais ou menos fortalecidos, vou eu. Quando voltar até o trabalho está mais orientado, porque apenas faltarei eu, não é o rebuliço do agora vais tu e quando voltares vou eu, já sem nos cruzarmos. Se foi opção minha? Hum…
Aconselho-vos a sentarem-se, prepararem um cházinho e aninharem-se na mantinha, para perceberem a minha cruzada….Ora foi assim, na passada primavera:
Marcar férias é um acto de prazer antecipado. Planeia-se a viagem, a estadia, imagina-se à priori o que se sentirá à posteriori, ai que espectáculo, desta vez é que vai ser, sempre quis lá ir, até já tenho o dinheiro de lado, está tudo organizado! Cheguei a casa com o intuito de acertar as datas daquela viagem do paraíso de praia e sol que está há meses a chamar por mim. O chefe já me tinha pautado algumas limitações: não podia ser nos feriados de junho porque ele faz anos e a mulher marca sempre essa semana. O meu colega também me pediu que, se possível, não marcasse em agosto, porque não tem atl para o filho, e, portanto, gostaria de ir ele nessas datas. Ok, sobre metade de junho, julho, e metade de agosto, alguma coisa se há-de arranjar.
Digo ao namorido que podíamos ir em julho.
Ele: Não, que a Manuela (a ex dele) vai em julho e temos que coordenar as férias do meu filho.
Eu: Primeira ou segunda quinzena?
Ele: Primeira, podemos ir nós na segunda.
Eu: Não, porque na segunda vai o meu chefe.
Ele: Ok, e agosto?
Eu: Agosto não pode ser, porque o Pedro (meu ex) vai de férias e temos que coordenar as férias da miúda.
Ele: O mês todo?
Eu: Não, só 3 semanas, mas sabes que eu não gosto desse mês para férias. Agora que me libertei do atl, sempre fechado em agosto, não pretendo pedir licença para estender a toalha na areia, sentar no café e etc.
Ele: E se fosse antes em junho?
Eu: Só se for na 2ª quinzena, porque há aulas na primeira.
Ele: Mas nessa quinzena não posso ir, porque a minha chefe vai. Quanto muito a 3ª semana de Junho…troco com um colega.
Eu: Ok…..e Setembro? Mas só se for na primeira semana, depois disso há aulas.
Ele: Como já marcámos na pascoa e eu só posso marcar 2 períodos, nunca menos de 10 dias, tenho que marcar a quinzena toda.
Eu: Então e para o Natal?
Ele: Já não tenho férias….
Ligo para a agência de viagens, rezando para terem a 3ª semana de junho. O voo de ida é a um domingo, o que significa que já não poderei ir ao Rock em Rio, lá terei que vender os bilhetes. Pergunto à agencia se não tem outro operador com voos diferenciados. Tem, ida ao sábado. Ok, Rock in Rio confirmado. Faço a reserva.
A operadora recorda-me que é necessário passaporte, pelo que somos sorteados com uma viagem ao registo civil acompanhados das declarações de poder paternal. Ligo à minha amiga que me costuma ficar com o cão, e ela nesses dias não pode ficar com ele. Mal consegui marcar férias, diz-me ela. Arranjar alternativas, amigos, família, hotel talvez.
Marcar férias é tão simples afinal: basta coordenar-mo-nos com os colegas e o namorido.
E os colegas do namorido.
E com a ex deste e o actual dela.
E claro, com o meu ex e a actual dele.
E com o período de aulas e do atl.
E com a agência de viagens.
O acordo paternal e as férias do cão.
Sobraram-me 15 dias, totalmente incompatíveis com a restante família.
De repente ocorreu-me que será muito mais simples ir sozinha, na 1ª semana de novembro, para a Costa da Caparica. Talvez consiga, enfim, descansar. Portanto aqui estou eu, de mantinha aos ombros, calças reforçadas e blusão a preceito, sentada à beira-mar. A ler Kafka, Kafka à beira mar. Sem bolas de Berlim. Sem ter que correr as feirinhas de verão, sem precisar usar protector solar, já que apenas os olhos ressaltam da roupa. Sem ter que fugir do fumo dos grelhados na varanda. Sem precisar reservar restaurante com antecedência. Sem corridas.Enfim, em pleno descanso, Me, Myself and I.