(…)
– Este papel tem uma letra diferente…
– Uma das minha tantas…
Bebi. Voltei a beber. Mais e ainda mais. Tanto! Olhei para o meu braço. Afinal ainda não tinha bebido o suficiente. Porque no fim do meu braço ainda não via a tua mão a segurar na minha, Joaninha.
É assim que te encontro e ficas comigo novamente. Ainda não tinhas percebido?
– Como é que consegue escrever assim nesse estado?
– E você? Como é que consegue sobreviver dessa forma… Tão normal? Sem paixão…
Adoro quando eles ficam em silêncio…
– Vou tentar perceber o que escreveu. – disse ele quase a gaguejar.
– Esteja à vontade, doutor. O meu consultório são estas estrelas. Não tenho mais marcações e você é o meu último sobrevivente…
Escrever é um acto de verdadeira solidão para que a alma do poeta e a sua essência possam ser universais e eternas.
Ser poeta é dar uma oportunidade às letras para se renderam à evidência que a verdadeira paixão pode ter adjectivos, mas a sua grandeza não se limita jamais às linhas e às folhas escritas.
As folhas podem ser pequenas, as letras tortas e as ideias confusas… Mas o que fica escrito num olhar, no quente de um abraço ou num beijo molhado, não engana…
Escrever é um acto solitário para que as musas dos poetas possam ficar eternas e para sempre nas estrelas.
Encontramo-nos lá um dia destes, Joaninha, no céu quando voares comigo e te ensinar como tudo acontece num simples beijo…
Não é simples, mas não te vou explicar agora.
Um dia quando estiver no meu consultório de estrelas falarei de ti a alguém…
– Isto é mesmo… Paixão…
Percebi que já tinha bebido o suficiente. A tua mão já está no final do meu braço, Joaninha.
Tenho um consultório muito bonito, não tenho? É a minha casa! Aliás, a nossa casa…
Desculpa-me a desarrumação! E acho que limpei a Lua com demasiada força porque falta ali um bocadinho. Mas eu digo ao mundo que é Quarto Crescente…
(…)
João Dordio In O Sr. Tobias, Ecos de Mentes e Outras Histórias (a editar brevemente)