Num ano em que tanto se falou em greve, e tantas greves se fez, não vou fazer qualquer juízo de valor no que toca a implicação social e política das greves deste ou dos últimos anos.
Não vou aqui buscar a etimologia da palavra, nem contextualizar a origem a greve.
A prática de suspender coletivamente o trabalho como protesto para obter algum benefício visto como necessário, imprescindível até, com a finalidade de pressionar a entidade patronal a aceder às reivindicações dos trabalhadores, é bastante antiga.
Mas quero falar da greve em Portugal nos dias que correm.
Comunicada a paralisação, apenas os serviços mínimos necessários para satisfação de necessidades sociais impreteríveis devem ser mantidos. Os empregadores não podem substituir o trabalhador grevista e nem atribuir as suas funções a outros trabalhadores não aderentes à greve.
As greves dos últimos anos têm sido a expressão da luta sindical (e social). Mas da maneira como está legislada, a greve não tem força reivindicativa. Torna-se um breve rufar de tambores. Até ouso dizer, uma fraude da democracia.
Com o nosso modelo legal de greve, a sociedade está mal servida. Os trabalhadores estão mal servidos. E as associações sindicais servem-se.
O enquadramento legal da greve em Portugal permite que ela funcione como um velho gramofone, reproduzindo para o público em geral que há descontentamento. Mas nem sequer consegue ser um «barómetro» eficaz da insatisfação coletiva de determinado setor.
E o motivo para a ineficácia do direito à greve é tão simples que até passa desapercebido: O dia de greve custa caro para o trabalhador que adere, o que num contexto de crise ganha importância acrescida.
Para exercer o direito à reivindicação pacífica e coletiva é cobrado ao trabalhador um custo elevado. A greve suspende o contrato de trabalho, consequentemente, o direito à retribuição e os advindos da assiduidade.
Ou seja, a greve enquanto direito com assento constitucional, retira outro direito com igual dignidade, o da retribuição.
Inúmeros fatores levam a que o trabalhador exerça o seu direito à greve a partir do interior da sua casa, sendo, portanto, um indicador não detetado pelo tal barómetro.
Dito isso e para não me alongar na demonstração do óbvio, a questão é: De que forma é garantido ao trabalhador o direito constitucional irrenunciável à greve?
A resposta, eu daria em duas palavras: não é!
Para defender os interesses que levam a fazer greve o trabalhador perde o que o leva a trabalhar, a retribuição.
A primeira solução que me salta aos olhos parece a mais óbvia: O grevista não deveria ir para casa, pois a ausência de manifestação põe em causa os objetivos e o próprio sentido da sua abstenção laboral.
O trabalhador grevista devia ter a faculdade de se fazer ver em seu local de trabalho, sem laborar, pacificamente e durante o período de expediente, à espera de que as associações sindicais negociassem com as associações patronais as exigências que motivaram a paralisação.
A greve só terminaria quando as partes chegassem a acordo.
Por sua vez, deveria ser possibilitado aos atores intervenientes nas negociações deliberar sobre a possibilidade de pagamento da retribuição aos grevistas que assinaram «ponto de greve», integrando esse pagamento o acervo de revindicações sobre a mesa de negociações.
A legislação deveria prever a obrigação de se chegar a acordo e ambos os lados teriam de ceder.
Numa altura em que muitas famílias não têm dinheiro para as despesas essenciais, perder a retribuição de um dia de trabalho para depois ver tudo ficar na mesma, é contraproducente.
O ordenado de uma hora está a fazer falta na mesa do trabalhador, quanto mais o de um dia.
E não estejamos aqui com paninhos quentes. Em novembro de 2010 houve uma greve geral em Portugal. Quais foram as efetivas conquistas dessa manifestação?
Não me lembro!
Acho que a greve geral de 2010 só serviu para travar uma batalha pelo número de participantes. Mas se calhar sou eu que não lembro bem das coisas.
Vivemos um tempo em que já não há «direito ao direito adquirido». Tudo aquilo que era segurança jurídica deixou de o ser em nome da tal «crise» que se instalou, passou e do medo desse papão voltar.
E lutamos contra o papão paralisando os trabalhos por um dia? Um dia já passou! E a vida continua igual, só com menos dinheiro ao final do mês.
Vivemos tempos em que a covardia não pode (mais) ser tolerada.
Ferve-nos o sangue diante de tantas injustiças e pensamos: Se nos vamos manifestar, que o façamos de forma a obtermos resultados e não apenas para fazer estatística e promover alguns nomes.
Se vamos parar, paremos! Mas paremos com coragem. A coragem necessária para se obter condições de trabalho dignas, estabilidade e remuneração a condizer.
E paremos até haver acordo!
E é aqui que o meu entusiasmo é travado pela realidade: Como se pode parar e ficar sem o ordenado que muitas vezes não chega para as despesas essenciais?
Fala-se tanto na necessidade de flexibilização das leis laborais que me pergunto se não seria o momento oportuno de flexibilizar as regras que enformam o direito à greve, de modo a permitir aos intervenientes deliberarem sobre a possibilidade de pagamento da retribuição aos trabalhadores grevistas que assinaram «ponto de greve».
Assim, a greve poderia ter força reivindicativa e servir como barómetro da insatisfação de uma classe.