Entro estreante mas decidido no afamado estabelecimento.
No meio do ambiente buliçoso e vibrante ressoa uma voz firme:
– Sai um compromisso! Sem princípio, escorrido, curto, em chávena escaldada e com adoçante!
Coloco-me no fim da longa fila que serpenteia entre as mesas lotadas, gente perdida entre fortes gargalhadas, em conversas que suspeito animadas e fascinantes.
As máquinas gemem numa agoniante rouquidão, o moinho vocifera algo contrariado enquanto o funcionário esgrima com mestria por entre comandos, interruptores e utensílios. O efémero vapor assobia no vazio e perde-se no ar acre e saturado das vãs promessas que aguardam a sua vez.
O avanço é lento e penoso mas eu entrei para não desistir.
(A Casa do Compromisso era o meu objectivo; e a minha meta chegar ao balcão neste preciso dia)
Decorrida uma boa hora de compromissos descafeinados, longos, pingados, em chávena fria e até alguns mais raros com cheirinho, chegara finalmente a minha vez.
Os pés moídos pela máquina da espera, a mente toldada pela inquieta expectativa; dou um passo em frente, limpo a garganta e, desembaraçado, comunico ao funcionário:
– Um compromisso por favor!
O homem estaca, fitando-me com grande desconfiança.
Arregalando os olhos, contempla a sala e de seguida encara os poucos que sabia terem ouvido o meu pedido.
A voz emperra-lhe, notando-se um evidente impaciência.
– Como quer o seu compromisso? Seja específico! A condição aqui é tudo!
– Simples? Respondo numa hesitante indagação e confesso com algum receio.
Um desconfortável silêncio fez-se então sentir; brotou no balcão e rapidamente contagiou a sala numa onda de acerbos sibilos e pestilentos cochichos que num ápice culminaram num silêncio sepulcral.
Não me voltei por sentir o agudizar dos olhares a fulminar-me.
O que de tão insólito teria o meu pedido?
As expressão do empregado converte-se então de total surpresa para um ligeiro sarcasmo.
– Simples?
Ninguém pede compromissos simples há décadas! O Senhor vive no passado! Ninguém ajuizado arrisca um compromisso sem termos e requisitos com os quais possa salvaguardar um eventual incumprimento e falha naquilo que assumiu, mesmo que parcial.
Nem sequer temos essa máquina ao dispor, ficou obsoleta por falta de procura no mercado.
O Senhor está deslocado, olhe que frequentam esta casa, de empresários a altos dignitários e políticos!
Foi então que caí em mim e compreendi o alcance do meu insólito pedido.
Marginal é aquele que se torna minoria, não por defender os valores certos mas por não ter acompanhado esta (des)evolução generalizada dos valores e qualidades humanas.
(…)
O compromisso existe na totalidade ou simplesmente não é.
“É um ato e não um palavra” citando Jean-Paul Sartre.
É mais um ato de sustentar uma escolha de forma contínua e decidida.
A promessa está implícita e é parte integrante do compromisso, o que explica em si, a complexidade inferior inerente à mesma.
A promessa é um simples voto, uma oferta com que se acena a alguém mas não consubstanciada com todo o processo de entrega e método para atingir com sucesso o fim proposto.
Por isso alguns disfarçam promessas de compromissos, embelezando-as, adoçando-as…
Esta não era a Casa do Compromisso mas sim a Casa dos Interesses!
Citando Kenneth Blanchard:
“Há uma diferença entre interesse e compromisso. Quando estás interessado em fazer algo, fazes porque te é conveniente. Quando tens um compromisso, não aceitas desculpas; apenas resultados”
Se questionarmos as pessoas quanto à definição de compromisso, muitas responderão que é um dever, algo que prometemos cumprir.
De seguida se perguntar até que ponto se sentem vinculadas a esse dever ou promessa e de que modo se empenham no sucesso do mesmo e com que método, não saberão responder. (abranjo aqui todas as áreas, esferas e estratos da sociedade)
Hoje, a aceitação de um compromisso não passa de uma promessa semi-vazia, sem o essencial papel que representamos no sucesso e cumprimento do mesmo.
Somos disruptivos no processo caso não nos foquemos na manutenção da sua observância e no alcance da sua meta.
Assumir um compromisso, para além da necessária leitura prévia das suas possíveis inferências e consequências, implica associar à promessa, todo o nosso empenho, motivação e esforços no sentido do escrupuloso cumprimento do mesmo.
Sem essa premissa, assemelhar-se-ia a, como condutores, prometermos chegar a um destino mas sem a responsabilidade do empenho no abastecimento e manutenção do automóvel, respeitando um plano estruturado; ou mesmo só prosseguirmos caminho enquanto a viatura não avariar (é precisamente nos momentos mais desafiadores que devemos estar presentes para resolver e prosseguir no caminho do sucesso).
Compromisso é perseverança, resiliência e luta pois importa o fim e o resultado.
Compromisso é a promessa e efetivação de nos dedicarmos totalmente ao processo e ao fim em causa. Se nos mantivermos fieis a esse princípio, o resultado será sempre positivo e na mesma medida e proporção com que nos aplicamos no sucesso do mesmo.
Não nos devemos focar apenas na meta ou no processo mas sim em ambos, e com o mesmo enlevado afinco.
“Sem compromisso existem apenas promessas e esperança, não planeadas”
Peter Drucker
A partir desse dia, na Casa dos Interesses, o povo quieto… manteve-se imovelmente divertido.