O que fazem violinos no Alentejo?
Deixa-me tocar-te.
A cada som saem os teus lábios novamente de encontro aos meus.
[O veneno já começa a queimar-te todo por dentro!]
Estou a ouvir-te… Porra, consigo ainda ouvir-te! A música entra nos meus ouvidos como se estivesses a adormecer-me. As histórias e todas aquelas coisas que a tua imaginação ia buscar não sei aonde. Hoje voltei a perder-me nas que contavas todas as noites quando éramos confidentes inseparáveis…
Está um vento quente.
Fecho os olhos e abraço-te, beijo-te…
Sabes ainda ao mesmo sem aqui estares, Joaninha!
Avisaste-me, mas perdi-me como tu te perdeste com a mãe, lembras-te? Não te queriam para casares com ela, lembras-te? Porque haveria de ser eu diferente se somos a mesma carne e a mesma essência? Hoje estás frio. Quando o Sol não bate na campa, o mármore ainda fica mais frio.
Trouxe-me os teus lábios, Joaninha!
Pelas letras musicais do violino que encantava os nossos serões…
O vento é quente e mesmo assim estás vestido deste frio, Pai. Apesar disso, gosto muito de vir aqui falar contigo e pedir-te conselhos. Ela é linda, Pai! Mas perdi-me na mesma história, no mesmo eco, na mesma sombra e no mesmo espelho de como foi a tua vida!
[O veneno destrói-te por dentro e tu só pensas nela…]
Já vou ter contigo, Joaninha.
Deixa-me acabar de falar com o meu Pai…
Ontem o Tio Zé disse-me que no Alentejo ganha a concertina!
Que o violino não tem lugar por aqui…
Pai, a mim ninguém me quer como a ti não te queriam! Lembras-te quando me contaste a tua história e a da Mãe? Um trabalhador do campo e a filha do Presidente da Junta e do dono de metade dos terrenos da aldeia? Ando cansado e perco-me na solidão e na mentira de nos encontrarmos às escondidas, Pai. E tu hoje estás ainda mais frio! É do mármore, mas o teu silêncio por vezes ainda complica mais as coisas. E abraçar a pedra não é a mesma coisa… Só vim aqui despedir-me. O bilhete vai ficar aqui preso e alguém o irá encontrar. Ela não tem coragem para enfrentar os pais e eu estou cansado. Vou deitar-me aqui ao teu lado e beber o veneno que comprei na Farmácia. Perdoa-me, mas quero que saibas que te amo muito e tenho saudades tuas e quero muito voltar a encontrar-te. Espera mais um pouco. Já vou ter contigo para me cantares para eu adormecer.
Joaninha, vais gostar de conhecer o meu Pai quando um dia vieres ter comigo.
Voltei a agarrar o violino para te sentir os lábios…
[O veneno já está a vencer os teus pensamentos…]
Merda, que isto sabe mal! Sinto o corpo em chamas!
Olá Pai.
Já sei que não devia ter feito aquilo…
Mas também já tinha muitas saudades tuas…
O café tinha poucas pessoas. Provavelmente mais moscas do que pessoas. O Tio Zé veio contar a novidade ao povo. Caiam-lhe as lágrimas pela face enrugada. Com a mão direita ainda segurava o violino. Teve que puxar do lenço com a mão esquerda enquanto começava a falar.
– O palerma matou-se no cemitério! Ao lado da campa do pai…
(Participação na Coletânea “Do Mosto à Palavra” (Chiado Editora, 2017)