Há por parte dos profissionais de saúde como da população geral, cada vez mais informada, uma maior consciência de que o conceito de corpo, no que diz respeito à saúde, há muito que deixou ser estar reduzido à soma das suas partes. Somos um organismo complexo, num sistema semifechado, mas que influencia e sofre inúmeras influências exteriores do ambiente e do tecido social que o rodeia.
Uma das situações clínicas mais frequentes surge associada à dor músculo-esquelética crónica. Mas também outros problemas relevantes, mas em menor número, tais como a fibromialgia e a síndrome de fadiga crónica. São situações complexas de resolver pois passa muitas vezes por uma mudança no estilo de vida do individuo, abrangendo: nutrição, actividade física, relações interpessoais e até mesmo o sistema de crenças.
Estes casos estão muitas vezes associados a estados depressivos e de ansiedade tornando-se essencial compreender a relação entre a dor crónica e o eixo intestino-cérebro para poder de forma mais eficaz fazer um tratamento coadjuvante com o tratamento físico. É comum uma parte importante dos pacientes que recebo no ambiente clínico sofrer de obstipação, terem um abdómen distendido e duro, e estarem com excesso de peso. Isto leva-me a associar as questões ligadas às queixas músculo-esqueléticas ao estado do seu intestino e integrante microbioma.
Em primeiro lugar, entendemos a dor crónica como uma dor que é permanente ou intermitente e que dura há mais de 3 meses. Os casos de dor lombar e cervical crónica contam como as mais frequentes. A dor crónica pode induzir a uma depressão tanto que cerca de 85% dos pacientes com dor crónica são afectados por alguma forma de depressão (Sheng, Liu, Wang, Cui, & Zhang, 2017). Esta é uma situação importante já que, quando a dor crónica é influenciada por factores psicológicos como: stress, depressão e ansiedade torna o prognóstico menos favorável (Allegri et al., 2016).
O intestino entra nesta equação entre a dor crónica e a depressão devido ao seu cada vez mais reconhecido papel na última. E sem uma boa saúde mental, dificilmente temos uma boa saúde física (OMS) (Logan, Jacka, Craig, & Prescott, 2016).
O intestino alberga uma comunidade imensa de bactérias que forma aquilo que é chamado de microbioma. O microbioma tem uma função protectiva, estrutural e metabólica no nosso organismo ajudando também a regular a homeostasia da mucosa e as respostas imunitárias (Monda et al., 2017). O eixo mirobioma-intestino-cérebro é um sistema complexo multi-orgão e bidireccional entre o microbioma e o cérebro tendo um papel fundamental entre a: fisiologia, homeostasia, desenvolvimento e metabolismo do hospedeiro (Wong et al., 2016). Logo, qualquer desequilíbrio no microbioma intestinal tem o potencial de afectar a saúde do individuo.
Sabemos que há uma diferença na flora bacteriana entre indivíduos que sofrem de depressão e saudáveis. Existe assim uma relação entre a qualidade e quantidade de bactérias presentes no intestino com os estados anímicos do hospedeiro.
Esta relação é possível pois pressupõe um sistema de comunicação entre o cérebro e o inflamassoma (complexo que actua nas respostas imunitárias) que modula as vias de resposta inflamatórias. Esta, por sua vez, é capaz de modificar a função cerebral e os comportamentos depressivos e de ansiedade. Para além disso, julga-se estarem também envolvidos mecanismos de protecção dos circuitos serotoninérgicos e dopaminérgicos, que controlam neurotransmissores importantes para a regulação do humor (Wong et al., 2016).
A depressão está associada a níveis aumentados de citoquinas, que são moléculas proteicas responsáveis pela comunicação entre células durante uma resposta imune. Podemos dizer que num estado depressivo, estarão aumentadas o número de citoquinas pro-inflamatórias e diminuídas as anti-inflamatórias (Wong et al., 2016). A diminuição de citoquinas inflamatórias no intestino faz com que seja alterado o microbioma de forma protectiva para o hospedeiro.
Uma maior diversidade e qualidade bacteriana são essenciais num indivíduo saudável. Um aumento da inflamação intestinal, pode alterar o microbioma contribuindo para alterações de humor e de sono no individuo levando a estados depressivos e de ansiedade.
Para podermos modificar de forma benéfica temos de ter em conta que, o ecossistema e estabilidade do microbioma visceral podem ser influenciados por factores extrínsecos. tais como: o estilo de vida, exercício físico e dieta. Tendo em conta o propósito deste artigo irei abordar o exercício físico, pois também é uma das abordagens para o tratamento da dor crónica de origem músculo-esquelética.
A prática regular de exercício físico com regularidade tem um efeito anti-inflamatório. Ele potencia o aumento do número de bactérias benéficas no organismo, enriquecendo a flora bacteriana e melhorando o desenvolvimento de bactérias comensais (Monda et al., 2017).
Por exemplo, numa pessoa acostumada a praticar exercício físico, se o mesmo for retirado da sua rotina, o humor estará alterado ao final de apenas 2 semanas (O’Sullivan et al., 2015).
Para quem sofre de dor crónica de origem músculo esquelética e apresenta problemas intestinais tais como: aerocolia (excesso de gases), barriga inchada e obstipação associados a insónia e alterações de humor, talvez seja importante equacionar melhorar a saúde intestinal. Somos um organismo complexo associado a um não menos complexo sistema de outros microorganismos que vivem connosco de forma simbiótica.
O eixo intestino-cérebro é um sistema complexo em que exercício físico ajuda no equilíbrio, assim como uma correcta nutrição. As recompensas para a saúde são tão importantes que seria irresponsável ignorá-lo. Cabe a cada um de nós conhecer melhor o nosso corpo e agir para a promoção da su saúde.
BIBLIOGRAFIA
Logan, A. C., Jacka, F. N., Craig, J. M., & Prescott, S. L. (2016). The Microbiome and Mental Health: Looking Back, Moving Forward with Lessons from Allergic Diseases. Clin Psychopharmacol Neurosci, 14(2), 131-147.